quinta-feira, 29 de novembro de 2012

D.H. Lawrence

O Figo
A maneira correcta de comer um figo à mesa
É parti-Io em quatro, pegando no pedúnculo,
E abri-Io para dele fazer uma flor de mel, brilhante, rósea, húmida,
desabrochada em quatro espessas pétalas.

Depois põe-se de lado a casca
Que é como um cálice quadrissépalo,
E colhe-se a flor com os lábios.
Mas a maneira vulgar
É pôr a boca na fenda, e de um sorvo só aspirar toda a carne.

Cada fruta tem o seu segredo.
O figo é uma fruta muito secreta.
Quando se vê como desponta direito, sente-se logo que é simbólico:
Parece masculino.
Mas quando se conhece melhor, pensa-se como os romanos que é
uma fruta feminina.

Os italianos apelidam de figo os órgãos sexuais da fêmea:
A fenda, o yoni,
Magnífica via húmida que conduz ao centro.
Enredada,
Inflectida,
Florescendo toda para dentro com suas fibras matriciais;
Com um orifício apenas.

D.H.Lawrence
(tradução de Herberto Helder)


e, para surpresa do Pedro Malanski, o original, o que talvez explique minha predileção pela forma em que o poema foi concebido....

Figs



The proper way to eat a fig, in society,
Is to split it in four, holding it by the stump,
And open it, so that it is a glittering, rosy, moist, honied, heavy-petalled four-petalled flower.
 
Then you throw away the skin
Which is just like a four-sepalled calyx,
After you have taken off the blossom, with your lips.
 
But the vulgar way
Is just to put your mouth to the crack, and take out the flesh in one bite.
 
Every fruit has its secret.
 
The fig is a very secretive fruit.
As you see it standing growing, you feel at once it is symbolic :
And it seems male.
But when you come to know it better, you agree with the Romans, it is female.
 
The Italians vulgarly say, it stands for the female part ; the fig-fruit :
The fissure, the yoni,
The wonderful moist conductivity towards the centre.
 
Involved,
Inturned,
The flowering all inward and womb-fibrilled ;
And but one orifice.
 
The fig, the horse-shoe, the squash-blossom.
Symbols.
 
There was a flower that flowered inward, womb-ward ;
Now there is a fruit like a ripe womb.
 
It was always a secret.
That’s how it should be, the female should always be secret.
 
There never was any standing aloft and unfolded on a bough
Like other flowers, in a revelation of petals ;
Silver-pink peach, venetian green glass of medlars and sorb-apples,
Shallow wine-cups on short, bulging stems
Openly pledging heaven :
Here’s to the thorn in flower ! Here is to Utterance !
The brave, adventurous rosaceæ.
 
Folded upon itself, and secret unutterable,
And milky-sapped, sap that curdles milk and makes ricotta,
Sap that smells strange on your fingers, that even goats won’t taste it ;
Folded upon itself, enclosed like any Mohammedan woman,
Its nakedness all within-walls, its flowering forever unseen,
One small way of access only, and this close-curtained from the light ;
Fig, fruit of the female mystery, covert and inward,
Mediterranean fruit, with your covert nakedness,
Where everything happens invisible, flowering and fertilization, and fruiting
In the inwardness of your you, that eye will never see
Till it’s finished, and you’re over-ripe, and you burst to give up your ghost.
 
Till the drop of ripeness exudes,
And the year is over.
 
And then the fig has kept her secret long enough.
So it explodes, and you see through the fissure the scarlet.
And the fig is finished, the year is over.
 
That’s how the fig dies, showing her crimson through the purple slit
Like a wound, the exposure of her secret, on the open day.
Like a prostitute, the bursten fig, making a show of her secret.
 
That’s how women die too.
 
The year is fallen over-ripe,
The year of our women.
The year of our women is fallen over-ripe.
The secret is laid bare.
And rottenness soon sets in.
The year of our women is fallen over-ripe.
 
When Eve once knew in her mind that she was naked
She quickly sewed fig-leaves, and sewed the same for the man.
She’d been naked all her days before,
But till then, till that apple of knowledge, she hadn’t had the fact on her mind.
 
She got the fact on her mind, and quickly sewed fig-leaves.
And women have been sewing ever since.
But now they stitch to adorn the bursten fig, not to cover it.
They have their nakedness more than ever on their mind,
And they won’t let us forget it.
 
Now, the secret
Becomes an affirmation through moist, scarlet lips
That laugh at the Lord’s indignation.
 
What then, good Lord ! cry the women.
We have kept our secret long enough.
We are a ripe fig.
Let us burst into affirmation.
 
They forget, ripe figs won’t keep.
Ripe figs won’t keep.
 
Honey-white figs of the north, black figs with scarlet inside, of the south.
Ripe figs won’t keep, won’t keep in any clime.
What then, when women the world over have all bursten into affirmation ?
And bursten figs won’t keep ?

D.H.Lawrence ficou muito famoso pelo "O AMante de Lady Chatterley", mas à época já era um poeta muito conceituado. Sua história de vida daria um livro e /ou um filme ótimos, que continuo esperando alguém fazer.
A Vintage Books tem uma edição gigantesca de toda a poesia de DH. Não sei se vale a pena, mas vale a pena...

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Eugénio de Andrade



Poetas portugueses, eles têm esses nomes acentuados em lugares estranhos para nós, brasileiros... e insistem em nos manter distantes, nosso mercado editorial, por alguma razão, não nos descortina as maravilhas que não exigem dicionários nem interpretações, apenas a possibilidade do sentimento atingido. Nessas horas, agradeço muito às antologias de poesia portuguesa, capaz de nos desvendar esses mistérios tão à nossa disposição e tão ignorados.
                

Cansado de ser homem durante o dia inteiro
chego à noite com os olhos rasos de água.

Posso então deitar-me ao pé do teu retrato,
entrar dentro de ti como um bosque.

É a hora de fazer milagres:
posso ressuscitar os mortos e trazê-los
a este quarto branco e despovoado,
onde entro sempre pela primeira vez,
para falarmos das grandes searas de trigo
afogadas na luz do amanhecer.

Posso prometer uma viagem ao paraíso
a quem se estender ao pé de mim,
ou deixar uma lágrima nos meus olhos
ser toda a nostalgia das areias.

(em As Palavras Interditas)

e também:


Sobre a Palavra


Entre a folha branca e o gume do olhar
a boca envelhece

Sobre a palavra
a noite aproxima-se da chama

Assim se morre dizias tu
Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cintura

Na porosa fronteira do silêncio
a mão ilumina a terra inacabada
Interminavelmente

(em Véspera da Água)


domingo, 25 de novembro de 2012

Cora Coralina


Velho Sobrado

Um montão disforme. Taipas e pedras,
abraçadas a grossas aroeiras,
toscamente esquadriadas.
Folhas de janelas.
Pedaços de batentes.
Almofadados de portas.
Vidraças estilhaçadas.
Ferragens retorcidas.

Abandono. Silêncio. Desordem.
Ausência, sobretudo.
O avanço vegetal acoberta o quadro.
Carrapateiras cacheadas.
São-caetano com seu verde planejamento,
pendurado de frutinhas ouro-rosa.
Uma bucha de cordoalha enfolhada,
berrante de flores amarelas
cingindo tudo.
Dá guarda perfilado, um pé de mamão macho.
No alto, instala-se, dominadora,
uma jovem gameleira, dona do futuro.
Cortina vulgar de decência urbana
defende a nudez dolorosa das ruínas do sobrado
-um muro.

Fechado. Largado.
O velho sobrado colonial
de cinco sacadas
de ferro forjado,
cede.

Bem que podia ser conservado,
bem que devia ser retocado,
tão alto, tão nobre-senhorial.
O sobrado dos Vieiras
cai aos pedaços,
abandonado.
Parede hoje. Parede amanhã.
Caliça, telhas e pedras
se amontoando com estrondo.
Famílias alarmadas se mudando.
Assustados - passantes e vizinhos.
Aos poucos, a "fortaleza" desabando.

Quem se lembra?
Quem se esquece?

Padre Vicente JOsé Vieira.
D. Irena Manso Serradourada.
D. Virgínia Vieira
-grande dama de outros tempos.
Flor de distinção e nobreza
na heráldica da cidade.
Benjamin Vieira.
Rodolfo Luz Vieira,
Ludugero,
Angela, Débora, Maria...
tão distante a gente do sobrado...

Bailes e saraus antigos
Cortesia. Sociedade goiana.
Senhoras e cavaleiros...-
tão desusados...

O Passado...

A escadaria de patamares
vai subindo..subindo...
Portas no alto.
À direita. à esquerda.
Se abrindo, familiares.

Salas. Antigos canapés.
Cadeiras em ordem.
Pelas paredes, forradas de papel, desenhos de querubins, segurando
cornucópia e laços.
Retratos dos antepassados,
solenes, empertigados,
gente de dantes.

Grandes espelhos de cristal,
emoldurados de veludo negro.
Velhas credências torneadas
sustentando jarrões pesados.
Antigas flores de que ninguém mais fala!!
Rosa cheirosa de Alexandria.
]Sempre-viva. Cravinas.
Damas-entre-verdes.
Jasmim do cabo. Resedá.
Um aroma esquecido
-majerona.

O Passado

O salão da frente recende a cravo.
Um grupo de gente moça
se reúne ali.
"Clube Literário Goiano".
Rosa Godinho.
Luzia de Oliveira.
Leodegária de Jesus,
a presidência.

Nós, gente menor,
sentadas, convencidas, formais.
Respondendo à chamada.
Ouvindo atentas a leitura da ata.
Pedindo a palavra.
Levantando ideias geniais.

Encerrada a sessão com seriedade,
passávamos à tertúlia.
]O velho harmônio, uma flauta, um bandolim.
Músicas antigas. Recitativos.
Declamavam-se monólogos.
Dialogávamos em rimas e risos.

D. Virgínia. Benjamin.
Rodolfo. Ludugero.
Veros anfitriões.
Sangrias. Doces. Licor de rosa.

O Passado...

Homens sem pressa,
talvez cansados,
descem com leva
madeirões pesados,
lavrados por escravos
em rudes simetrias,
do tempo das acutas.
Inclemência.
Caem pedaços na calçada.
Passantes cautelosos,
desviam-se com prudência.
Que importa a eles o sobrado?

Gente que passa indiferente,
olha de longe,
na dobra das esquinas,
as traves que despencam.
-Que vale para eles o sobrado?

Quem vê nas velhas sacadas
de ferro forjado
as sombras debruçadas?
Quem é que está ouvindo
o clamor, o adeus, o chamado?...
Que importa a marca dos retratos na parede?
Que importam as salas destelhadas,
e o pudor das alcovas devassadas...
Que importam?

E vão fugindo do sobrado,
aos poucos,
os quadros do passado.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Agradecer...


The Thanksgivings



Translated from a traditional Iroquois prayer 

We who are here present thank the Great Spirit that we
   are here to praise Him.
We thank Him that He has created men and women, 
   and ordered that these beings shall always be 
   living to multiply the earth.
We thank Him for making the earth and giving these 
   beings its products to live on.
We thank Him for the water that comes out of the earth 
   and runs for our lands.
We thank Him for all the animals on the earth.
We thank Him for certain timbers that grow and have 
   fluids coming from them for us all.
We thank Him for the branches of the trees that grow 
   shadows for our shelter.
We thank Him for the beings that come from the west, 
   the thunder and lightning that water the earth.
We thank Him for the light which we call our oldest 
   brother, the sun that works for our good.
We thank Him for all the fruits that grow on the trees 
   and vines.
We thank Him for his goodness in making the forests, 
   and thank all its trees.
We thank Him for the darkness that gives us rest, and 
   for the kind Being of the darkness that gives us light, 
   the moon.
We thank Him for the bright spots in the skies that give 
   us signs, the stars.
We give Him thanks for our supporters, who had charge 
   of our harvests.
We give thanks that the voice of the Great Spirit can 
   still be heard through the words of Ga-ne-o-di-o.
We thank the Great Spirit that we have the privilege of 
   this pleasant occasion.
We give thanks for the persons who can sing the Great Spirit's music, and hope they will be privileged to continue in his faith.
We thank the Great Spirit for all the persons who 
   perform the ceremonies on this occasion.


A tradução para o inglês foi feita por Harriet Maxwell Converse, que se dedicou a estudar a civilização iroquois dos EUA... Posso ser eu, mas dá uma tristeza...

A foto é da Bandeira da Confederação Iroquois... insistem em sobreviver, que coisa!!

quinta-feira, 22 de novembro de 2012


Twenty Questions

Did I forget to look at the sky this morning
when I first woke up? Did I miss the willow tree?
The white gravel road that goes up from the cemetery,
but to where? And the abandoned house on the hill, 
   did it get
even a moment? Did I notice the small clouds so slowly
moving away? And did I think of the right hand
of God? What if it is a slow cloud descending
on earth as rain? As snow? As shade? Don't you think
I should move on to the mop? How it just sits there, 
   too often
unused? And the stolen rose on its stem?
Why would I write a poem without one?
Wouldn't it be wrong not to mention joy? Sadness,
its sleepy-eyed twin? If I'd caught the boat
to Mykonos that time when I was nineteen
would the moon have risen out of the sea
and shone on my life so clearly
I would have loved it
just as it was? Is the boat
still in the harbor, pointing
in the direction of the open sea? Am I
still nineteen? Going in or going out,
can I let the tide make of me
what it must? Did I already ask that?

Jim Moore é autor de seis livros de poesia, incluindo Lightning at DinnerThe Freedom of History, and The Long Experience of Love. É americano, seus poemas são muito divulgados por lá. Por aqui, o de sempre. Ou você corre (muito) atrás ou fica sem notícias do mundo civilizado. Eu sei que meu querido Pedro Malanki não gosta muito de poesia em outros idiomas, mas é que eu não gosto de poesia traduzida, mas gosto do Pedro, então, sempre que posto algo no original, eu me lembro dele. Mas será que ele lê o que eu posto aqui? Fica a pergunta, mais uma....

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Roberto Piva


Morreu há pouco!Tem um livro maravilhoso com o Wesley Duke Lee, seus poemas foram relançados em três volumes, os quais estou encadernando e fazendo um etui, que é para durar a eternidade que eles merecem. Já postei antes, acho que postarei sempre...dias chuvosos, notícias tristes, falta de perspectiva....mas lá no fim do túnel, brilha a luz da bala de fuzil que porá fim a teu sofrimento....

para Sérgio Cohn

eu caminho seguindo
o sol
sonhando saídas
definitivas da
   cidade-sucata

isto é possívelo
num dia de
visceral beleza
quando o vento
feiticeiro
tocar o navio pirata
da alma
a quilômetros da alegria

(Ponto Chic, 95)

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Lord Byron




Epitaph to a Dog

Near this Spot
are deposited the Remains of one
who possessed Beauty without Vanity,
Strength without Insolence,
Courage without Ferosity,
and all the virtues of Man without his Vices.
This praise, which would be unmeaning Flattery
if inscribed over human Ashes,
is but a just tribute to the Memory of
BOATSWAIN, a DOG,
who was born in Newfoundland May 1803
and died at Newstead Nov. 18th, 1808.


When some proud Son of Man returns to Earth,
Unknown to Glory but upheld by Birth,
The sculptor's art exhausts the pomp of woe,
And storied urns record who rests below:
When all is done, upon the Tomb is seen
Not what he was, but what he should have been.
But the poor Dog, in life the firmest friend,
The first to welcome, foremost to defend,
Whose honest heart is still his Master's own,
Who labours, fights, lives, breathes for him alone,
Unhonour'd falls, unnotic'd all his worth,
Deny'd in heaven the Soul he held on earth:
While man, vain insect! hopes to be forgiven,
And claims himself a sole exclusive heaven.
Oh man! thou feeble tenant of an hour,
Debas'd by slavery, or corrupt by power,
Who knows thee well, must quit thee with disgust,
Degraded mass of animated dust!
Thy love is lust, thy friendship all a cheat,
Thy tongue hypocrisy, thy heart deceit!
By nature vile, ennobled but by name,
Each kindred brute might bid thee blush for shame.
Ye! who behold perchance this simple urn,
Pass on, it honors none you wish to mourn.
To mark a friend's remains these stones arise;
I never knew but one-and here he lies.

Eu e os cachorros, nós temos uma relação bastante boa...meio neurótica de minha parte, mas em geral funcionamos bem. Fuçando, encontrei este poema dedicado aos cães. Daí achei que cabia postar.

domingo, 18 de novembro de 2012

Mário de Andrade


Mário de Andrade (09/10/1893 - 25/02/1945) nasceu em São Paulo. Foi poeta, romancista, crítico de arte é considerado o escritor mais nacionalista e múltiplo dos brasileiros.Pauliceia Desvairada foi publicado em 1922, é a primeira obra de vanguarda literária do país. Seus relatos de viagem são deliciosos e o livro "O Turista Aprendiz" sempre foi um dos meus favoritos. E o livro "Estrela da Vida Inteira" é um dos favoritos da Marinha, com méritos.
No poema ele analisa a cidade de São Paulo e seus elementos: sociedade, burguesia, Rio Tietê, Avenida Paulista. Esta obra de Mário de Andrade continua sendo inquietante e ousada.

Ode ao burguês
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar... _ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Jack Gilbert



Failing and Flying
by Jack Gilbert

Everyone forgets that Icarus also flew.
It's the same when love comes to an end,
or the marriage fails and people say
they knew it was a mistake, that everybody
said it would never work. That she was
old enough to know better. But anything
worth doing is worth doing badly.
Like being there by that summer ocean
on the other side of the island while
love was fading out of her, the stars
burning so extravagantly those nights that
anyone could tell you they would never last.
Every morning she was asleep in my bed
like a visitation, the gentleness in her
like antelope standing in the dawn mist.
Each afternoon I watched her coming back
through the hot stony field after swimming,
the sea light behind her and the huge sky
on the other side of that. Listened to her
while we ate lunch. How can they say
the marriage failed? Like the people who
came back from Provence (when it was Provence)
and said it was pretty but the food was greasy.
I believe Icarus was not failing as he fell,
but just coming to the end of his triumph.

Poxa, eu fiquei superemocionado quando li este poema.  A frase inicial e o período final resumem, de certa forma, a minha filosofia de vida, mais ou menos como encarar a trajetória de Ulisses não do ponto de vista do viajante, mas do observador. Os resultados importam, é claro, mas o percurso é que define quem você é. Fins, meios, tudo isto já gerou muita discussão e, francamente, gerou um verso absolutamente maravilhoso: "the gentelness in her like antelope standing in the dawn mist." Pode não ser sempre, mas quando é marca sua vida e é importante que estas marcas sejam valorizadas, independente da cicatriz que provocam.
E eu, fora da vida imaginada pelos poetas, ouvi a frase sobre Provence exatamente como está escrita aí. Perdeu-se muito por apegar-se ao pouco. Domage!!

Ah! Jack Gilbert! Poeta americano, recém-morto (ué, não tem recém-nascido?) dia 12/11....escreveu coisas lindas, que podem ser encontradas em Refusing Heaven, The Great Fires: Poems, 1982-1992 e The Dance Most of All: Poems. Em Português??Não sei de nada, nem em coletâneas.

desenho da linda, maravilhosa, Ana Escorse.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Equívoco

Em algum momento, coloquei um post intitulado "Travesti"...., um post sério, com elocubrações e entrevistas.
Hoje minha média de visualizações está alta e eu fiquei todo pimpão, mas verificando as estatísticas que o Blogger fornece, pude perceber que a maior parte das visualizações é para o post Travesti.

Aos conduzidos aqui pela falta de discernimento do buscador do Google, mil perdões.....rs

Robert Louis Stevenson




My House, I Say



My house, I say. But hark to the sunny doves 
That make my roof the arena of their loves, 
That gyre about the gable all day long 
And fill the chimneys with their murmurous song: 
Our house, they say; and mine, the cat declares 
And spreads his golden fleece upon the chairs; 
And mine the dog, and rises stiff with wrath 
If any alien foot profane the path. 
So, too, the buck that trimmed my terraces, 
Our whilom gardener, called the garden his;
Who now, deposed, surveys my plain abode 
And his late kingdom, only from the road. 

Conhecido por A ILha do Tesouro e O Médico e o Monstro, o escocês Stevenson foi o autor de uma das frases minhas favoritas: "O silêncio pode ser a mais cruel das mentiras." Ao ficar quieto, pense bem!!!

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Mário Quintana

Reluto, sempre e muito, em postar os "favoritos da marinha"...Tem demais por aí, citações aos baldes, uma vulgarização que não ajuda o entendimento...Dizem que faz bem, eu não acho. Mas esta frase de Quintana é irresistível e, se aplicada a uma pessoa amiga, que, lendo-a, saberá quem é, dita pelo poeta em outros tempos e circunstâncias,  serve como uma mensagem direta ao seu coração e ao momento.

“A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se”.

Livros, livros,e mais livros, condensados em um período de três linhas...a coragem é enfrentar.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Piet Hein



Dinamarquês, a criatura foi um monstro: matemático, cientista, inventor, poeta e poliglota. Sua língua materna era o dinamarquês (duh!!) e ele próprio traduzia seus poemas para o inglês, russo, alemão, espanhol e sabe Deus qual outra língua mais. Ele tinha uma série de poemas pequenos, que chama de Grooks, que são muito interessantes...em Português??? até onde eu sei, nada, mas vc pode colher alguma informação, se interessar o suficiente o que foi postado aqui, no sítio Planet news.

1.Losing one glove
is certainly painful,
but nothing
compared to the pain,
of losing one,
throwing away the other,
and finding
the first one again


2.There is
one art,
no more,
no less:
to do
all things
with art-
lessness.


3. As eternity
is reckoned
there's a lifetime
in a second.


4. Naive you are
if you believe
life favours those
who aren't naive.


5. Put up in a place
where it's easy to see
the cryptic admonishment

T.T.T.
When you feel how depressingly
slowly you climb,
it's well to remember that
Things Take Time.
  • T.T.T. (Acrônimo em dinamarquês: Ting Tager Tid)

Não é ótimo? Para que não fiquem dúvidas: a numeração é minha, só para separar os poemas. Nietzchianamente, encerro com uma dádiva, já traduzida:

"Eis aqui um fato, um bom motivo,
para você lutar enquanto vivo:
as coisas que não causam logo a morte
tornam você mais forte".

Espero, Pedro Malanski, que esta tradução chinfrim justifique minha predileção pelos originais, ainda que dinamarqueses.... Refaço minha intenção, e realmente encerro com outro brinde - a criatividade e beleza dos versos de Piet permitem essas coisas:

A bit beyond perception's reach

I sometimes believe I see
that Life is two locked boxes, each
containing the other's key.

  • The Paradox Of Life


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Elizabeth Hazin


Poeta pernambucana, Elizabeth Hazin tem vários livros publicados. Poeta é um ser meio estranho mesmo, ainda mais em um país como o nosso. Recebeu um prêmio Rio de Janeiro, em 1986, pelo livro Martu.
Não vejo livros dela pelaí, deve haver. Eu só tenho o Martu, mas a rede está cheia de informações a respeito. Interessou-se??Valorize o que você ama e corra atrás.

Não escute

Não escute
meu choro
quieto;
eu sou um deserto
e preciso chorar.

Não existe meu amor
fugidio;
eu sou um rio
e preciso passar.

Não escute meu sorriso
constante;
eu sou um instante
e preciso durar.

Bonito, não é?  Tem mais, muito mais:

Dúvidas

Deve-se matar o Amor?
atear-lhe fogo?
Arrancá-lo da árvore
-fruto ainda verde-
antes que despenque
inevitável?

É o Amor absoluto
ou relativo?
Há um amor real
e outro não?
ou tudo é Amor
e tudo igual?


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Charles Bukowski

Vai,, criatura, vai ser Bukowski na vida
Não falta a coragem, falta o momento....

então, posto o próprio...

As The Sparrow


To give life you must take life,

and as our grief falls flat and hollow

upon the billion-blooded sea

I pass upon serious inward-breaking shoals rimmed

with white-legged, white-bellied rotting creatures

lengthily dead and rioting against surrounding scenes.

Dear child, I only did to you what the sparrow

did to you; I am old when it is fashionable to be

young; I cry when it is fashionable to laugh.

I hated you when it would have taken less courage

to love. 


as it is no sítio Poem Hunter.

De novo, Pedro, eu não posto a tradução, mas ela existe.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Fernando Pessoa



As Lentas Nuvens Fazem Sono

As lentas nuvens fazem sono,
O céu azul faz bom dormir.
Bóio, num íntimo abandono,
À tona de me não sentir.

E é suave, como um correr de água,
O sentir que não sou alguém,
Não sou capaz de peso ou mágoa.
Minha alma é aquilo que não tem.

Que bom, à margem do ribeiro


Saber que é ele que vai indo...
E só em sono eu vou primeiro.
E só em sonho eu vou seguindo.


Poesias Inéditas


quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Carlos Drumond e Andrade



Destruição


Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente. 


Posto tão pouco o CDA. Hoje, data em que escrevo, 31 de outubro, seria o aniversario dele. Não aguento esses sítios e grupos que dizem que ele estaria completando 110 anos!!Pô, as pessoas não completam 110 anos, caray!! Outro dia, no FB, pôde-se ler: ...completaria 113 anos....Deu vontade de perguntar: como?