O livro
De manhã, quando passei à frente da loja
o cão ladrou
e só não me atacou com raiva porque a corrente de ferro
o impediu.
Ao fim da tarde,
depois de ler em voz baixa poemas numa cadeira preguiçosa do jardim
regressei pelo mesmo caminho
e o cão não me ladrou porque estava morto,
e as moscas e o ar já haviam percebido
a diferença entre um cadáver e o sono.
Ensinam-me a piedade e a compaixão
mas que posso fazer se tenho um corpo?
A minha primeira imagem foi pensar em
pontapeá-lo, a ele e às moscas, e gritar:
Venci-te.
Continuei o caminho,
o livro de poesia debaixo do braço.
Só mais tarde pensei ao entrar em casa:
não deve ser bom ter ainda a corrente
de ferro em redor do pescoço
depois de morto.
E ao sentir a minha memória lembrar-se do coração,
esbocei um sorriso, satisfeito.
Esta alegria foi momentânea,
olhei à volta:
tinha perdido o livro de poesia.
Poema "O Livro" de Gonçalo M. Tavares, português, um gênio. Diversos livros, o mais premiado é o Uma Viagem à Índia, mas Jerusalém é muito bom também.
Acendedor de Palavras
Poesia,poesias, poetas,diários de viagem, fotos, e quadrinhos, e vídeos, e tudo que pareça poesia. E música,bastante, quando der. E mais um pouco de tudo, que a vida é poesia
quinta-feira, 16 de janeiro de 2025
Gonçalo M. Tavares
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Uma Viagem à Índia
segunda-feira, 13 de janeiro de 2025
Bruna Berber
Dos novos poetas, a minha preferida...gosto demais, mas acho que deveria ser proibido escrever tão bem sendo tão novinha...
romance em doze linhas
quanto falta pra gente se ver hoje
quanto falta pra gente se ver logo
quanto falta pra gente se ver todo dia
quanto falta pra gente se ver pra sempre
quanto falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto falta pra gente se ver às vezes
quanto falta pra gente se ver cada vez menos
quanto falta pra gente não querer se ver
quanto falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto falta pra gente se ver e fingiu que não se viu
quanto falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu.
romance em doze linhas
quanto falta pra gente se ver hoje
quanto falta pra gente se ver logo
quanto falta pra gente se ver todo dia
quanto falta pra gente se ver pra sempre
quanto falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto falta pra gente se ver às vezes
quanto falta pra gente se ver cada vez menos
quanto falta pra gente não querer se ver
quanto falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto falta pra gente se ver e fingiu que não se viu
quanto falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2025
Sophia!!"
Quando
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
Sophia de Mello Breyner Andresen, minha poeta favorita, desde muito!
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
Sophia de Mello Breyner Andresen, minha poeta favorita, desde muito!
sexta-feira, 3 de janeiro de 2025
Tiago Nené
Nossas caravelas nunca partem para Portugal como destino, mas sim como porto. Precisamos rever isto, fazer de Portugal o pai generoso que tudo nos deu,embora tenha tirado mais do que devia. Amo-te,Portugal, com o ódio dos filhos.
Por falar nisso, o poema do Tiago Nené para o filho é de doer.
CARTA AO FILHO
filho, já não há sangue do meu correndo nas tuas veias,
há uma humidade opaca nesta ferida,
sinto-me um sopro enchendo a fissura da rocha que sou;
filho, havia ainda um último fósforo, uma dúvida
mais transparente que o ar,
a única que não pode haver entre um pai e um filho,
uma árvore ardendo no meu amor;
filho, hoje o teu rosto parecido com o meu
perdeu os pilares que seguravam as nossas parecenças
e toda a respiração se desmoronou;
filho, meu único filho, perdoa-me hoje
o que sinto de ontem, um desamor injusto e selvagem,
cravado na memória, retroactivo;
o teu pai
Por falar nisso, o poema do Tiago Nené para o filho é de doer.
CARTA AO FILHO
filho, já não há sangue do meu correndo nas tuas veias,
há uma humidade opaca nesta ferida,
sinto-me um sopro enchendo a fissura da rocha que sou;
filho, havia ainda um último fósforo, uma dúvida
mais transparente que o ar,
a única que não pode haver entre um pai e um filho,
uma árvore ardendo no meu amor;
filho, hoje o teu rosto parecido com o meu
perdeu os pilares que seguravam as nossas parecenças
e toda a respiração se desmoronou;
filho, meu único filho, perdoa-me hoje
o que sinto de ontem, um desamor injusto e selvagem,
cravado na memória, retroactivo;
o teu pai
quinta-feira, 2 de janeiro de 2025
Poesia
A ideia é de postar sempre poesias por aqui, duas a três por semana. Começando 2025 com uma beleza premonitória:
"Para você, que é emocionado"
Sem fingir algo a mais.
Sem dizer que quer, sem querer.
Sem despertar propositalmente expectativas
que não pretende cumprir.
Ser pouco, se só puder ser pouco.
Ser muito, se realmente tiver muito para dar.
É mais do que responsabilidade afetiva,
é bondade.
“Pra Você Que É Emocionado” (Academia, 2024), de Victor Fernandes
"Para você, que é emocionado"
Sem fingir algo a mais.
Sem dizer que quer, sem querer.
Sem despertar propositalmente expectativas
que não pretende cumprir.
Ser pouco, se só puder ser pouco.
Ser muito, se realmente tiver muito para dar.
É mais do que responsabilidade afetiva,
é bondade.
“Pra Você Que É Emocionado” (Academia, 2024), de Victor Fernandes
2025, A Missão
De verdade, pretendo manter o blog, já que não quero continuar com as redes sociais que não forem do Clube Secretário.
2024 nao vai deixar saudades, vamos lutar para que 2025 seja digno de figurar nos anais das histórias de vida de cada um.
2024 nao vai deixar saudades, vamos lutar para que 2025 seja digno de figurar nos anais das histórias de vida de cada um.
domingo, 26 de novembro de 2023
Um fósforo frio
AH! estou me sentindo um "sobrevivente de mim mesmo, um fósforo frio...!. Dias de chuva, sem sol, tristeza escorrendo pelos olhos, fica difícil entender e tentar aceitar o que acontece nesse país.
2023 não foi legal comigo, perdi tantos amigos queridos que a sensação é de ter embarcado em um navio sem tripulação, sem destino, sem companhia, sem nada... e a tempestade está logo ali. Fazer o quê?Caminhar, ainda que claudicante, é o que nos resta, é o que resta, é o que me resta. Não é fácil!
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