domingo, 25 de novembro de 2018

Poesia moderna portuguesa


A imagem pode conter: flor
Colagem de Ana Cristina Pereira, a necessária Hannah23...
Nossas caravelas nunca apontam para Portugal... uma coisa meio edipiana, eu acho, essa recusa em admirar, curtir mesmo,o que vem de Portugal.  Aquela antiga argumentação: "Mas não dá para ver filme português sem legendas"  é, comprovadamente, uma daquelas verdades ofensivas....Portugal precisa vir mais, precisamos ir mais a Portugal, não como um porto, mas como um destino.
A poesia abaixo é de Tiago Nené (os acentos portugueses, gente!). Novinho, tem apenas 36 anos, mas o poema dele para o filho - posto outro dia, não estou no clima!- é um dos poemas mais bonitos dos últimos tempos meus.

Em homenagem a ele, coloquei na playlist uma música do Antonio Azambujo, no disco "Até pensei que fosse minha...", onde ele canta apenas músicas do Chico Buarque de Holanda. Achei digno!( Mas não consegui!!! Ficou só um pedacinho aí embaixo....)

O TERRAMOTO
[a uma pessoa intemporal]

querida joana, o terramoto apanhou pessoas que faziam amor,
pessoas que morriam de uma causa lenta e dolorosa,
pessoas que celebravam contratos com apertos de mão,
pessoas com instrumentos na terra fértil,
pessoas que faziam de conta, pessoas sem relógio.
os que faziam amor perpetuaram-no, os que morriam
viram a sua morte impedida por uma colectiva e mais bem aceite,
os que celebravam contratos perderam as mãos coladas,
os que trabalhavam na terra fértil foram soterrados,
os que faziam de conta procuraram cumprir uma promessa,
os que não tinham relógio escaparam ao tempo.
meu amor, sermos egoístas é tentar impedir que as coisas mudem,
sermos intensos é não respeitar causas e efeitos,
espero-te no meu futuro, ainda que ele não seja
o efeito directo de um presente que ainda treme muito.


Apesar do estranhamento da grafia original, é de uma beleza dolorosa. "Sermos egoístas é tentar impedir que as coisas mudem!"... que mude tudo, então.

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