sábado, 15 de fevereiro de 2025

Viagem ao Paraíso Reformado

 

 Passeando pelo sudoeste mineiro (Anta, Sapucaia, Leopoldona, Cataguazes, Dona Euzébia, São Domingos), pode-se constatar vários aspectos muito peculiares da vida brasileira, que só não são mais chocantes porque o brasileiro não se choca com mais nada.

 Passeando pelo sudoeste mineiro (Anta, Sapucaia, Leopoldina, Cataguazes, Dona Euzébia, São Domingos), pode-se constatar vários aspectos muito peculiares da vida brasileira, que só não são mais chocantes porque o brasileiro não se choca com mais nada.

As estradas dominadas pelos caminhoneiros, trabalhadores como todos nós, em filas de 6, 7 gigantes da estrada, impossíveis de se ultrapassar. O desespero quase se instala, até a chegada de uma santificada faixa adicional e, mesmo assim, é melhor do que qualquer Seven Flags desse e de qualquer mundo. A se anotar: as estradas MINEIRAS pedagiadas estão em ótimo estado, com alguns erros de concepção (não há paradas de descanso, as pistas adicionais são poucas ainda, sinalização quase inexistente). Estou falando de onde andei (veja acima), Minas tem mais de 800 municípios.

A mão de obra não qualificada está desaparecendo... A queixa é geral, em todos os lugares em que estive. Com a profusão de bolsas isso e aquilo, não há estímulo para o trabalho e a qualificação não permite que se pague o salário de miséria desse país. Uma sinuca, antevista por muitos, mas que se instala de forma irreversível. 

A comida está se pasteurizando e uniformizando, perdendo as características regionais. A comida mineira está um tanto anódina, carne de porco deve ser imolada nos altares das smartfits dessa vida e expulsa pelos estímulos causados pelos crossfits incapacitantes. Uma pena...Mesmo o pão de queijo, talvez pelo custo do queijo mineiro verdadeiro, campeão mundial, regional, sulamericado e um faminto etc. Para onde vamos?

"-O feijão tropeiro não tem bacon?"

"-Bacon não é saudável!!!"



Um diálogo que jamais imaginei ser possível no sudoeste mineiro, onde se criavam as pequenas figuras humanas em fase de crescimento, sob a orientação familiar(também chamadas de crianças), com carne de porco de lata, mergulhada em gordura. O mundo deforma os tempos reformados...Quem reformará os crimes dos homens? Scalinger não sofreu com um pudim de leite sem lactose...

O tempora...o mores!!!



terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Bondade e o show midiático

Domingo, marasmo quase distópico, impossível sobreviver sem sequelas...calor, calor e um pouco mais de calor.... desabituado, meu corpo pede sombra e sossego. Ventilador, ligo a TV e vejo um show de horrores, a exploração do ser humano disfarçada de bondade, assistência e amor. Não dá, eu havia preparado um almoço e meu estômago não resistiria ao que a TV (ia escrever o tubo, mas nesses tempos de TVs digitais e smarts, quem entenderia???) mostrava. Não poderia jamais perder drinques preparados pelo Alberto, então desligue-se a TV!

Rebobine-se a fita, ventilador direto e o trem das elocubrações se põe em marcha....

A questão do nariz....

Sandor Marai, em "O Jantar" (acho que é este o título), fala da caridade gorda, da compaixão fácil, que não exige esforço algum para ser feita, como enfiar a mão no bolso e jogar uma moeda na caixinha de chicletes do garoto ou do aleijão mais próximo. Esta caridade tem valor zero...Como a Fila da Miséria, presente na ALERJ pelos ultimos trinta anos, vinte e cinco dos quais sob meu testemunho; como o milhão distribuído ao pobre que usa seus últimos trocados para pintar o cabelo, pois vai aparecer na TV, mas como o dinheiro é pouco, a qualidade da pintura acompanha...

Tudo uma armadilha, mas o amor....

Mas, definitiva mesmo, é a mestre de todos nós, Hannah Arendt, que define, definitivamente: (ah!Uma aliteração provocada e óbvia!!Vai ficar!):

"A bondade, para se afirmar como tal, deve ser genuína. Sermos bons, porque está na época em que é de bom tom mostrarmos que somos bons, é a mais absoluta hipocrisia. Sejamos bons sim, mas continuamente. Sejamos bons sim, mas não para mostrarmos aos outros que somos bons. A maior, e a verdadeira bondade, é aquela que se pratica sem alaridos, sinal de que a bondade é algo que deve ser normal e frequente, e não uma festa sempre que acontece - senão estamos exatamente a denunciar que só somos bons de vez em quando."

Bondade e Sabedoria devem ser inocentes, Hannah Arendt. O mundo Insta e Face sequer tangenciam a vida real...

Quem sou eu para discutir!!!

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Conhecemos a América do Sul? Conhecemos a produção cultural dos países vizinhos? Não vale os de sempre, que estão por aí há 30, 40 anos....
 A poesia uruguaia tem coisas lindas, mas, para terem uma ideia, não consegui o original do poema. Achando conseguir, edito e coloco aqui.

Para quem quiser conhecer mais um pouco, ou um pouco, da produção poética uruguais, veja https://revistaacrobata.com.br/tag/poesia-uruguaia/
Da internet, sem o autor.

El agujero”, de Juan Pablo Pedemonte

O buraco

Teria que escavar os parágrafos do mar
para dar com o tempo;
esquadrinhar em sua fossa ou procurar
o ossatura do vento
nas escrituras profanas do esquecimento.
Ou reler, ao menos, as paisagens do outono,
onde sempre há um golpe de pássaro,
uma página de folhas caducas e perdidas.
Ou ir direto à ferida do relojoeiro,
a suas noites de parafuso e ferrugem,
até as doze e meia da dor animal.
Escavar até entrar no buraco
Ou não sair
nunca.
da água das agulhas.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Modernidade atrasada


Nesta época de acordos espúrios, votações fantasmas, ministérios pessoais, relato uma "Cantiga do Ódio", do poeta português Carlos de Oliveira. A capacidade de indignar-se não pode se perder na inação. Pelo menos, não vote nos mesmos de sempre!!

"O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir à servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?"

(no livro Mãe Pobre)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Gonçalo M. Tavares

O livro

De manhã, quando passei à frente da loja
o cão ladrou
e só não me atacou com raiva porque a corrente de ferro
o impediu.
Ao fim da tarde,
depois de ler em voz baixa poemas numa cadeira preguiçosa do jardim
regressei pelo mesmo caminho
e o cão não me ladrou porque estava morto,
e as moscas e o ar já haviam percebido
a diferença entre um cadáver e o sono.
Ensinam-me a piedade e a compaixão
mas que posso fazer se tenho um corpo?
A minha primeira imagem foi pensar em
pontapeá-lo, a ele e às moscas, e gritar:
Venci-te.
Continuei o caminho,
o livro de poesia debaixo do braço.
Só mais tarde pensei ao entrar em casa:
não deve ser bom ter ainda a corrente
de ferro em redor do pescoço
depois de morto.
E ao sentir a minha memória lembrar-se do coração,
esbocei um sorriso, satisfeito.
Esta alegria foi momentânea,
olhei à volta:
tinha perdido o livro de poesia.


Poema "O Livro" de Gonçalo M. Tavares, português, um gênio. Diversos livros, o mais premiado é o Uma Viagem à Índia, mas Jerusalém é muito bom também.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Bruna Berber

Dos novos poetas, a minha preferida...gosto demais, mas acho que deveria ser proibido escrever tão bem sendo tão novinha...


romance em doze linhas

quanto falta pra gente se ver hoje
quanto falta pra gente se ver logo
quanto falta pra gente se ver todo dia
quanto falta pra gente se ver pra sempre
quanto falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto falta pra gente se ver às vezes
quanto falta pra gente se ver cada vez menos
quanto falta pra gente não querer se ver
quanto falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto falta pra gente se ver e fingiu que não se viu
quanto falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Sophia!!"

Quando
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.


Sophia de Mello Breyner Andresen, minha poeta favorita, desde muito!

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Tiago Nené

Nossas caravelas nunca partem para Portugal como destino, mas sim como porto. Precisamos rever isto, fazer de Portugal o pai generoso que tudo nos deu,embora tenha tirado mais do que devia. Amo-te,Portugal, com o ódio dos filhos.

Por falar nisso, o poema do Tiago Nené para o filho é de doer.

CARTA AO FILHO

filho, já não há sangue do meu correndo nas tuas veias,
há uma humidade opaca nesta ferida,
sinto-me um sopro enchendo a fissura da rocha que sou;
filho, havia ainda um último fósforo, uma dúvida
mais transparente que o ar,
a única que não pode haver entre um pai e um filho,
uma árvore ardendo no meu amor;
filho, hoje o teu rosto parecido com o meu
perdeu os pilares que seguravam as nossas parecenças
e toda a respiração se desmoronou;
filho, meu único filho, perdoa-me hoje
o que sinto de ontem, um desamor injusto e selvagem,
cravado na memória, retroactivo;
o teu pai

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Poesia

A ideia é de postar sempre poesias por aqui, duas a três por semana. Começando 2025 com uma beleza premonitória:

"Para você, que é emocionado"

Sem fingir algo a mais.
Sem dizer que quer, sem querer.
Sem despertar propositalmente expectativas
que não pretende cumprir.
Ser pouco, se só puder ser pouco.
Ser muito, se realmente tiver muito para dar.
É mais do que responsabilidade afetiva,
é bondade.


“Pra Você Que É Emocionado” (Academia, 2024), de Victor Fernandes

2025, A Missão

De verdade, pretendo manter o blog, já que não quero continuar com as redes sociais que não forem do Clube Secretário.
2024 nao vai deixar saudades, vamos lutar para que 2025 seja digno de figurar nos anais das histórias de vida de cada um.