quarta-feira, 26 de março de 2025

Civilidade e abandono

 Quatro dias no Rio de Janeiro, Hell de Nojeira para quem tem consciência do que acontece por lá. 

Falta de urbanidade - jogam lixo em qualquer lugar, estacionam nas calçadas, tomam os espaços públicos para benefícios privado e um etc gigantesco que nem caberia aqui. 

Falta de civilidade: aceleram quando você está atravessando a rua, como se fosse um GTA da vida; não respeitam idosos e pessoas com deficiência (alguns dos privilégios até acho injustos, mas eles existem e devem ser respeitados); empurram, não pedem licença para nada, param os carros em qualquer lugar, sem se importar com as consequências de seus atos, como se fossem caçadores a quem tudo é permitido.

Triste, já que foi a cidade que escolhi. Não caí de paraquedas, não nasci ali por acidente, foi uma ação consciente que me levou a habitar essa cidade por trinta anos.

Nossa escolha para mudarmos para a serra não poderia se mostrar mais acertada, não fosse a pandemia, que trouxe para as proximidades os vícios, a deseducação, os maus hábitos dos cariocas.

Mais triste ainda é que a Princesinha do Mar envelheceu,enrugou, está com um papo de peru e manchas na pele que mais parecem manchas de um leopardo no Seringhetti.

 Pode ter sido uma cidade muito bonita, mas acredito que não resiste mais a uma análise detalhada de seus aspectos mais cotidianos, com os prédios sem distanciamento, sem limites de altura.... sem contar o mau cheiro, uma fossa aberta, seja nas ruas do Centro, seja nas estações do metrô, seja nos amontoados de lixo por todo lado. Eduardo Paes, o Prefeito Simpatia-é-quase-amor, poderia passear mais pela cidade, respirar o ar não filtrado das ruas, abandonando os gabinetes e salas assépticas nas quais vive.

A violência nem merece um comentário aqui, só merece a tristeza daqueles que são suas vítimas e têm de conviver com os impermeáveis a qualquer coisa que não lhes aconteça diretamente.


Quatro dias...quatro estações....quatro sentimentos que afloram e persistem, mas que são dominados pela tristeza imensa de ver um símbolo de um País que um dia foi alegre se perder nos emaranhados da modernidade.


Colagens minhas, foto da Internet.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Orides e o Carnaval

 Que coisa!! Pós-carnaval, parece que tudo fica mais fácil. Como não participo dessa alegria compulsória, fico em casa, aproveito para colocar a leitura em dia, trabalho no atelier (as colagens estão por aí!) e me divirto pensando.
Pensando que somos um país condenado ao fracasso...não é possível que essa sequência de fatos esdrúxulos seja natural, alguém lá em cima colocou um pano de prato no futuro do Brasil...

Não, eu publiquei nada; então, publico hoje uma das minhas poetas favoritas, a quem admiro muito e sinto que não seja conhecidíssima e amada por todos que gostam de sofrer em conjunto.Claro, estou falando da Orides Fontella, cuja obra completa foi lançada há pouco tempo. Dela, pode-se ler:


FALA

Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.

Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade.)

E, para quem gosta:



O GATO

Na casa
inefavelmente
circulam olhos
de ouro

vibre ( em ouro) a
volúpia
o escuro tenso
vulto do deus sutil
indecifrado

na casa
o imperecível mito
se aconchega

quente (macio) ei-lo
em nossos braços:
visitante de um tempo sacro (ou de um não tempo).

Quem escreve "toda palavra é crueldade" tem de estar na prateleira mais alta.