Foucault está sempre por aí, guiando, dando direções. Apesar de antiga, esta entrevista cai bem, neste momento de recrudescimento da violência contra homossexuais e pessoas que fogem ao padrão que agradaria aos agressores.
E aprender nunca é demais, não é?
ESCOLHA SEXUAL, ATO SEXUAL
– Eu gostaria de começar perguntando o que você pensa sobre a recente obra de John Boswell sobre a história da homossexualidade entre o início da era cristã e o fim da Idade Média[1]. Como historiador, você acha válida a metodologia utilizada por ele? Em que medida, pensa você, as conclusões às quais chega Boswell contribuem para melhor compreender o que é o homossexualismo atualmente?
- Temos aí, seguramente, um estudo muito importante, cuja originalidade é já evidente na maneira em que ele propõe o problema. Do ponto de vista metodológico, a rejeição de Boswell da oposição estabelecida entre homossexual e heterossexual – que desempenha um papel muito importante na maneira como nossa cultura considera a homossexualidade – constitui um progresso, não somente para a ciência, mas também para a crítica cultural. A introdução do conceito de gay (na definição que é dada por Boswell), ao mesmo tempo em que fornece um precioso instrumento de análise, nos auxilia a melhor compreender a imagem que as pessoas têm delas mesmas e de seus comportamentos sexuais. No que concerne aos resultados da pesquisa, esta metodologia permite descobrir que isto que se tem chamado de repressão da homossexualidade não remonta ao cristianismo, propriamente falando, mas a um período mais tardio da era cristã. É importante, neste tipo de análise, perceber as idéias que as pessoas têm de sua sexualidade. O comportamento sexual não é, como muito se costuma supor, a superposição, por um lado de desejos oriundos de instintos naturais e, por outro, de leis permissivas e restritivas que ditam o que se deve e o que não se deve fazer. O comportamento sexual é mais que isso. É também a consciência do que se faz, a maneira que se vê a experiência, o valor que se a atribui. É, neste sentido, creio eu, que o conceito de gay contribui para uma apreciação positiva – mais que puramente negativa – de uma consciência na qual o afeto, o amor, o desejo, as relações sexuais são valorizadas.
- Seu trabalho recente o tem conduzido, se eu não me engano, a estudar a sexualidade na Grécia antiga.
- Exatamente, e este livro de Boswell me serviu de guia, na medida em que me indicou onde procurar o que faria o valor que as pessoas atribuem a seus comportamentos sexuais.
- Essa valorização do contexto cultural e do discurso que as pessoas têm a respeito de suas condutas sexuais é reflexo de uma decisão metodológica de contornar a distinção entre predisposição inata à homossexualidade e condicionamento social? Você tem alguma posição a esse respeito?- Não tenho estritamente nada a dizer sobre esse ponto. Sem comentários.
- Você acha que não há uma resposta para esta questão? Ou que esta é uma falsa questão? Ou simplesmente ela não o interessa?
- Não, nada disso. Eu simplesmente não creio que seja útil falar de coisas que estão além de minha competência. A questão que você coloca não é de minha alçada, e eu não gosto de falar de coisas que realmente não constituem o objeto do meu trabalho. Sobre esta questão eu tenho somente uma opinião, e por ser uma opinião, é sem interesse.
– Mas as opiniões podem ser interessantes, você não acha?
– É verdade, eu poderia dar minha opinião, mas ela apenas teria sentido na medida em que todos fossem consultados. Eu não quero, sob pretexto de que estou sendo entrevistado, me aproveitar de uma posição de autoridade para fazer comércio de opiniões.
- Está bem. Vamos, então, mudar de assunto. Você pensa que se possa legitimamente falar de consciência de classe no que concerne aos homossexuais? Deve-se encorajar os homossexuais a se considerar como parte de uma classe, da mesma forma que os operários não qualificados ou que os negros em certos países? Quais devem ser, segundo você, os objetivos políticos dos homossexuais, enquanto grupo?
- Em resposta à sua primeira questão, eu diria que a consciência da homossexualidade vai certamente além da experiência individual e compreende o sentimento de pertencimento a um grupo social particular. É um fato incontestável, que remonta a tempos muito antigos. Certamente, essa manifestação da consciência coletiva dos homossexuais vem mudando com o tempo e varia de um lugar para outro. Por exemplo, em diversas ocasiões, ela tomou a forma de um pertencimento a um tipo de sociedade secreta ou de pertencimento a uma raça maldita, ou ainda de pertencimento a uma fração da humanidade que foi ao mesmo tempo privilegiada e perseguida – a consciência coletiva dos homossexuais tem sofrido numerosas transformações, todas, diga-se de passagem, como a consciência coletiva dos operários não qualificados. É verdade que, mais recentemente, alguns homossexuais, segundo o modelo político, têm tentado formar uma certa consciência de classe. Minha impressão é de não se obteve realmente um sucesso, quaisquer que fossem as conseqüências políticas dessa atitude, porque os homossexuais não constituem uma classe social. Isso não quer dizer que não se possa imaginar uma sociedade onde os homossexuais constituam uma classe social. Mas dado nosso modo atual de organização econômico e social, não vejo muitas possibilidades disso se efetuar.
Quanto aos objetivos políticos do movimento homossexual, dois pontos podem ser sublinhados. É preciso, em primeiro lugar, considerar a questão da liberdade de escolha sexual. Eu digo liberdade de escolha sexual e não liberdade de ato sexual, porque certos atos, como o estupro não devem ser permitidos, quer se dêem entre um homem e uma mulher ou entre dois homens. Eu não creio que deveríamos fazer de uma forma de liberdade absoluta, de liberdade total de ação no domínio sexual nosso objetivo. Por outro lado, quando a questão é a escolha sexual, nossa intransigência deve ser total. A liberdade de escolha sexual implica a liberdade de expressão dessa escolha. Por isso, eu entendo a liberdade de manifestar ou de não manifestar essa escolha. No que diz respeito à legislação, é verdade que têm acontecido progressos consideráveis neste assunto, apontando para uma maior tolerância, mas há ainda muito o que fazer.
Em segundo lugar, um movimento homossexual pode adotar como objetivo colocar a questão do lugar que ocupam, para o indivíduo em uma dada sociedade, a escolha sexual, o comportamento sexual e os efeitos das relações sexuais entre as pessoas. Essas questões são fundamentalmente obscuras. Veja, por exemplo, a confusão e equivoco que rodeia a pornografia ou a falta de clareza que caracteriza a questão do estatuto legal definidores da relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Eu não quero dizer que a legislação do casamento entre homossexuais deva se constituir em um objetivo, mas nós temos uma série de questões concernentes à inserção e o reconhecimento no interior do quadro legal e social de um certo número de relações entre indivíduos, para os quais devemos encontrar uma resposta.
- Você então considera, se eu bem entendi, que o movimento homossexual não deve somente adotar por objetivo aumentar a liberdade legal, mas devem também colocar questões mais abrangentes e mais profundas sobre o papel estratégico que desempenham as preferências sexuais e sobre a maneira como essas preferências são percebidas. Você pensa que o movimento homossexual não deveria limitar-se somente à liberalização de leis relativas à escolha sexual do indivíduo, mas deveria também incitar ao conjunto da sociedade a repensar seus pressupostos no que diz respeito à sexualidade. O que eu gostaria de dizer, em outros termos, é que os homossexuais não seriam os desviados que é preciso deixar viver em paz, mas é preciso destruir todo o sistema conceitual que classifica os homossexuais entre os desviados. Eis o que coloca interessantemente em jogo a questão dos professores homossexuais. Por exemplo, no debate que se instaurou na Califórnia, acerca do direito dos homossexuais ensinarem em escolas primárias ou secundárias, os que estão contra esse direito se fundamentam não somente sobre a idéia de que os homossexuais possam constituir um perigo para a inocência, na medida em que eles estariam suscetíveis de tentar seduzir seus alunos, mas também sobre o fato de que os homossexuais podem pregar a homossexualidade.
– Toda esta questão, veja, foi mal formulada. Em caso nenhum a escolha sexual de um indivíduo deve determinar a profissão que lhe é permitida ou que lhe é proibida exercer. As práticas sexuais simplesmente não são critérios pertinentes para decidir a capacidade de um indivíduo para exercer uma dada profissão. Claro, você pode me dizer, "mas se essa profissão é utilizada pelos homossexuais para estimular outras pessoas a se tornarem homossexuais?”
Eu lhe responderia isto: você crê que os professores que, durante anos, dezenas de anos, de séculos, explicaram às crianças que a homossexualidade era inadmissível; você crê que os manuais escolares que expurgaram a literatura e falsificado a história, com o objetivo de excluir um certo número de condutas sexuais, não causaram danos pelo menos tão sérios quanto os que se podem imputar a um professor homossexual que fale da homossexualidade e que o defeito é só explicar uma dada realidade, uma experiência vivida?
O fato de que um professor seja homossexual apenas tem efeitos eletrizantes e extremos sobre seus alunos se o resto da sociedade se recusar a admitir a homossexualidade. A priori, um professor homossexual não deve colocar mais problemas do que um professor calvo, um professor homem numa escola de meninas, uma professora mulher em uma escola de meninos ou um professor árabe em uma escola do XVIo distrito de Paris.
Quanto ao problema do professor homossexual que busque ativamente seduzir seus alunos, tudo o que eu posso dizer é que a possibilidade desse problema é presente em todas as situações pedagógicas; encontra-se bem mais exemplos deste tipo de conduta entre os professores heterossexuais – simplesmente porque eles constituem a maior parte dos professores.
– Observa-se uma tendência cada vez mais marcada, nos círculos intelectuais americanos, em particular entre as feministas mais radicais, em distinguir entre a homossexualidade masculina e a feminina. Esta distinção repousa sobre duas coisas. De início, se o termo homossexualidade é empregado para designar não somente uma inclinação pelas relações afetivas com pessoas do mesmo sexo, mas também uma tendência a encontrar, em pessoas do mesmo sexo, uma sedução e uma gratificação eróticas, então é importante sublinhar coisas muito diferentes, no plano físico, em um e outro caso. A outra ideia na qual se funda a distinção é que as lésbicas, em seu conjunto, parecem procurar em outra mulher o que se oferece em uma relação heterossexual estável: apoio, afetividade, compromisso a longo prazo. Se isso não acontece no caso dos homens homossexuais, então se pode dizer que a diferença é chocante, senão fundamental. A distinção lhe parece útil e viável? Quais motivos se podem discernir, que justifiquem essas diferenças que um bom número de feministas radicais influentes destacam com tanta insistência?
Não posso deixar de cair na risada.
– Minha questão é divertida de uma maneira que me escapa, estúpida ou as duas coisas?
– Ela certamente não é estúpida, mas eu a acho muito divertida, sem dúvida por razões que eu não poderia explicar, mesmo se eu quisesse. Eu diria que a distinção proposta não me parece muito convincente, se eu julgar pelo que observo na atitude das lésbicas. Mas, além disso, é preciso falar das pressões diferentes que se exercem sobre os homens e as mulheres que se declaram homossexuais ou tentam viver como tais. Eu não creio que as feministas radicais de outros países teriam, nestas questões, o ponto de vista que você atribui ao círculo das intelectuais americanas.
– Freud declara na “Psicogênese de um caso de homossexualidade feminina” que todos os homossexuais são mentirosos[2]. Não seria necessário levar essa afirmação a sério para perguntar se a homossexualidade não comporta uma tendência à dissimulação que teria levado Freud a fazer esta afirmação. Se substituirmos a palavra “mentira” por palavras como “metáfora” ou “expressão indireta” não nos aproximaríamos mais do estilo homossexual? Não há algo de interessante em falar de um estilo ou de uma sensibilidade homossexuais? Richard Sennet, por sua vez, acha que não há estilo homossexual, assim como não há estilo heterossexual. É este também seu ponto de vista?
-Sim, eu não creio que tenha muito sentido em falar de um estilo homossexual. Sob o plano mesmo da natureza, o termo homossexualidade não significa muita coisa. Estou precisamente lendo um livro interessante, lançado há pouco nos Estados Unidos e que se intitula Proust and the Art of Loving (Proust e a arte de amar)[3] O autor mostra a dificuldade de dar um sentido à proposição “Proust era homossexual”. Parece-me que temos aqui, definitivamente, uma categoria inadequada. Inadequada no sentido onde, por um lado, não se pode classificar os comportamentos e, por outro lado o termo não dá conta do tipo de experiência que se tem. Pode-se, a rigor, dizer que há um estilo gay, ou pelo menos, uma tentativa progressiva de recriar um certo estilo de existência, uma forma de existência ou uma arte de viver que se pode chamar “gay”.
Em resposta à sua questão sobre a dissimulação, é verdade que no séc. XIX, por exemplo, era necessário em certa medida, esconder sua homossexualidade. Mas tratar os homossexuais como mentirosos equivale a tratar como mentirosos os resistentes em uma ocupação militar, ou tratar os judeus como agiotas, em uma época onde a profissão de agiota era a única que lhes era permitido exercer.
– Parece evidente, entretanto, pelo menos no plano sociológico que se possa assinalar ao estilo gay certas características, certas generalizações também – apesar de seu riso constante – recordam formas estereotipadas como a promiscuidade, o anonimato entre parceiros sexuais, a existência de relações puramente físicas, etc.
– Sim, mas as coisas não são assim tão simples. Em uma sociedade como a nossa onde a homossexualidade é reprimida – e severamente – os homens gozam de uma liberdade bem maior do que as mulheres. Os homens têm a possibilidade de fazer amor bem mais freqüentemente e em condições notadamente menos restritivas. Criaram-se casas de prostituição para satisfazer suas necessidades sexuais. De maneira irônica, isso teve como efeito uma certa permissividade em torno das práticas sexuais entre os homens. Considera-se que o desejo sexual é mais intenso nos homens, e então têm uma maior necessidade de dar vazão ao seu impulso. Assim, ao lado desses prostíbulos, foram aparecendo banhos onde os homens podiam se encontrar e ter entre eles relações sexuais. Os banhos tinham precisamente essa função. Ele era um lugar onde os heterossexuais se encontravam para o sexo. Penso que esses banhos só foram fechados no séc. XVI, sob o pretexto de que eles eram lugares de uma baixaria sexual inaceitável. Desta maneira, mesmo a homossexualidade se beneficiou de uma certa tolerância em ralação às práticas sexuais enquanto se limitassem a um simples encontro físico. E não somente a homossexualidade se beneficiou com esta situação, mas, através de um contorno singular – comum neste gênero de estratégias –, ela inverteu os critérios de tal maneira que os homossexuais tem podido, em suas relações físicas, gozar de uma liberdade maior que a dos heterossexuais. Em conseqüência, os homossexuais têm hoje a satisfação de saber que em um certo número de países – a Holanda, a Dinamarca, os Estados Unidos e mesmo um país provinciano como a França –, as possibilidades de encontros sexuais são imensas. Deste ponto de vista, a consumação, se poderia dizer, tem aumentado muito. Mas isso não é necessariamente uma condição natural da homossexualidade, um dado biológico.
- O sociólogo americano Philip Rieff, em um ensaio sobre Oscar Wilde intitulado The Impossible Culture (A cultura impossível)[4], vê em Wilde um precursor da cultura moderna. O ensaio começa com uma longa citação dos atos do processo de Oscar Wilde seguida de uma série de questões que o autor levanta quanto à viabilidade de uma cultura isenta de qualquer interdição – de uma cultura que não conhece, então, a necessidade da transgressão. Examinemos, se você quer, o que diz Philip Rieff:
“Uma cultura apenas resiste à ameaça da possibilidade pura contra ela, na medida em que seus membros aprendam por meio de sua vinculação a ela, a restringir as eventuais escolhas oferecidas”.
“À medida que a cultura é interiorizada e se torna caráter, é a individualidade que é reprimida, isso é o que Wilde mais valoriza. Uma cultura em crise favorece o desabrochar da individualidade; uma vez interiorizadas as coisas não pesam tanto para moderar o jogo na superfície da experiência. Pode-se considerar a hipótese segundo a qual, em uma cultura que atingisse a crise máxima, tudo poderia ser expresso e nada seria verdadeiro”.
“Sociologicamente, uma verdade é tudo o que milita contra a capacidade dos homens a expressarem tudo. A repressão é a verdade”.
O que Rieff diz de Wilde e da ideia de cultura encarnada por Wilde parece plausível a você?
– Eu não estou seguro de que compreendo a observação do professor Rieff. O que ele entende, por exemplo, por “a repressão é a verdade”?
– Na realidade, eu creio que esta idéia é muito próxima à que você explica em seus livros quando você diz que a verdade é o produto de um sistema de exclusões, que ela é uma rede, uma épistémè, que define o que pode e o que não pode ser dito.
– A questão importante, me parece, não é de saber se uma cultura isenta de restrições é possível ou mesmo desejável, mas se o sistema de repressões no interior do qual uma sociedade funciona deixa os indivíduos livres para transformar esse sistema. Haverá sempre repressões que serão intoleráveis a certos membros da sociedade. O necrófilo acha intolerável que o acesso aos túmulos lhe seja proibido. Mas um sistema de repressões apenas se torna verdadeiramente intolerável quando os indivíduos que são submissos a esse sistema não têm mais os meios para modificá-lo. Isto pode acontecer quando sistema se torna intangível, seja quando se o considera como um imperativo moral ou religioso ou conseqüência necessária da ciência médica. Se o que Rieff quer dizer é que as restrições devem estar claras e bem definidas, então eu estou de acordo.
– Na realidade, Rieff diria que uma verdadeira cultura é aquela na qual as verdades essenciais foram bem interiorizadas por cada um e não sendo é necessário exprimi-las verbalmente. É claro que, em uma sociedade de direito, seria necessário que o leque de coisas não permitidas fosse explicito, mas as grandes crenças, ficam, em sua maior parte, inacessíveis a uma formulação simples. Uma parte da Reflexão de Rieff é dirigida contra a idéia que é desejável livrar-se de crenças em nome de uma liberdade perfeita e também contra a idéia que as restrições são, por definição, o que devemos nos empenhar em fazer desaparecer.
– Não há dúvida que uma sociedade sem restrições é inconcebível. Mas eu apenas posso repetir, e dizer que essas restrições devem ser suportadas pelos que ao menos têm a possibilidade de as modificar. No que diz respeito às crenças, eu não creio que Rieff e eu estejamos de acordo, nem sobre seu valor, nem sobre seu sentido, nem sobre as técnicas que permitem ensiná-las.
– Você tem, sem dúvida nenhuma, razão sobre este ponto. Podermos deixar agora as esferas do direito e da sociologia para nos voltar ao domínio das letras. Eu gostaria que você comentasse a diferença entre a erótica, tal como se apresenta na literatura heterossexual e o sexo que aparece na literatura homossexual. O discurso sexual, nos grandes romances heterossexuais de nossa cultura – eu percebo o ponto onde a designação “romances heterossexuais” é imprecisa – caracteriza-se por um certo pudor e uma certa discrição que parecem contribuir para o charme dessas obras. Quando os escritores heterossexuais falam do sexo em termos muito explícitos, parecem perder um pouco desse poder misteriosamente evocador, dessa força que se encontra em um romance como Anna Karenina. É ai que, de fato, George Steiner desenvolve com muita coerência um bom número de seus ensaios. Contrastante com a prática de grandes romancistas heterossexuais, nós temos o exemplo de diversos escritores homossexuais. Penso, por exemplo, em Cocteau que em seu Livre blanc[5], bem sucedido em preservar o encantamento poético que os escritores heterossexuais alcançam por meio de alusões veladas, descrevendo os atos sexuais em termos mais realistas. Você pensa que existe uma tal diferença entre esses dois tipos de literatura? E se sim, como você a justifica?
– É uma questão muito interessante. Como eu havia dito antes, eu tenho lido, nestes últimos anos, um grande número de textos latinos e gregos que descrevem as práticas sexuais tanto de homens entre eles, quanto de homens com mulheres; eu fiquei surpreso com o extremo pudor desses textos (há, claro, algumas exceções). Tomemos um autor como Luciano. Temos aí um escritor antigo, que certamente fala da homossexualidade, mas de uma maneira quase pudica. No fim de um de seus diálogos, por exemplo, ele evoca uma cena onde um homem se aproxima de um jovem rapaz, coloca a mão sobre seu joelho, depois a desliza por sobre sua túnica e acaricia seu peito; a mão desce em seguida para o ventre do jovem homem, e neste ponto, o texto se detém[6]. Tendo a atribuir esse pudor excessivo, que em geral, caracteriza a literatura homossexual da Antiguidade, ao fato de que os homens gozassem, naquela época, em suas práticas homossexuais, de uma liberdade bem maior.
– Eu compreendo. Em suma, quanto mais as práticas sexuais são livre e francas, mais se permite falar de maneira reticente e indiretas sobre elas. Isso explicaria por que a literatura homossexual é mais explicita em nossa cultura que a literatura heterossexual. Porém, eu me perguntaria hoje se há, nesta explicação, algo que poderia justificar o fato de que a literatura homossexual consiga criar na imaginação do leitor, os efeitos que cria a literatura heterossexual ao utilizar mais precisamente os meios opostos.
– Eu poderia tentar responder sua questão, se você me permite, de outra forma. A heterossexualidade, pelo menos desde a Idade Média tem sido sempre percebida segundo dois eixos: o eixo da corte, onde o homem seduz a mulher e o eixo do ato sexual mesmo. A maior parte da literatura heterossexual do Ocidente é essencialmente preocupada com o eixo da corte amorosa, quer dizer, com tudo o que precede o ato sexual. Toda a obra de refinamento intelectual e cultural, toda a elaboração estética no Ocidente tem se voltado sempre para a corte. Isso explica que o ato sexual mesmo seja relativamente pouco apreciado, do ponto de vista literário, cultural e estético.
Por outro lado, não há nada que ligue a moderna experiência homossexual à corte. Além do mais, as coisas não se passam assim na Grécia antiga. Para os gregos, a corte entre os homens era mais importante do que a corte entre homens e mulheres (que se pense ao menos em Sócrates e Alcibíades). Mas a cultura cristã ocidental baniu a homossexualidade, a forçando a concentrar toda a sua energia no ato mesmo. Os homossexuais não podem elaborar um sistema de corte porque se lhe tem recusado a expressão cultural necessária para esta elaboração. A piscada na rua, a decisão, em uma fração de segundo, de aproveitar a aventura, a rapidez com a qual as relações homossexuais são consumadas, tudo isso é o produto de uma interdição. A partir do momento em que uma cultura e uma literatura homossexuais se iniciasse, seria natural que elas se concentrassem sobre o aspecto mais ardente e passional das relações homossexuais.
– Lembro, ao te ouvir, da célebre fórmula de Casanova: “O melhor momento, no amor, é quando se sobe as escadas”. Seria doloroso imaginar hoje essas palavras na boca de um homossexual.
– Exatamente. Um homossexual diria antes: “O melhor momento, no amor, é quando o amante se distancia no táxi”.
– Eu não posso deixar de pensar que está ai uma descrição mais ou menos precisa das relações entre Swann e Odette no primeiro volume de La Recherche[7].
– Sim, é verdade em um sentido. Porém, embora se trate de uma relação entre um homem e uma mulher, seria necessário, na descrição, ter em conta a natureza da imaginação que a concebe.
– E seria preciso também ter em consideração a natureza patológica da relação tal como Proust mesmo a concebe.
– Eu gostaria mesmo de deixar de lado, neste contexto, a questão da patologia. Eu prefiro mais simplesmente me ater à observação pela qual eu abri esta parte de nossa conversa, a saber que, para um homossexual, é provável que o melhor momento do amor é aquele onde o amante se distancia no táxi. É quando o ato está consumado e o rapaz parte, que se começa a sonhar com o calor de seu corpo, a beleza de seu sorriso, o tom de sua voz. É a lembrança, e não a antecipação do ato que importa mais nas relações homossexuais. É a razão pela qual os grandes escritores homossexuais de nossa cultura (Cocteau, Genet, Burroughs) podem descrever com tanta elegância o ato sexual: a imaginação homossexual se liga, principalmente, à lembrança do que à antecipação deste ato. E como eu disse antes, tudo isso é o produto de considerações práticas, de coisas bem concretas, que nada dizem da natureza intrínseca da homossexualidade.
– Você pensa que isso tenha alguma influência sobre a pretensa proliferação das perversões de hoje? Faço alusão a fenômenos como a cena sadomasoquista, os golden showers, as diversões escatológicas e outras coisas do mesmo gênero. Sabemos que estas práticas existem há muito tempo; mas parece que se as vive hoje de uma maneira muito mais aberta.
– Eu diria também que bem mais pessoas entregam-se a elas.
– Você pensa que este fenômeno e o fato de que a homossexualidade saia do armário, tornando pública sua forma de expressão são, de alguma forma, ligados?
– Eu arriscaria a seguinte hipótese: em uma civilização que, durante séculos, considerou-se que a essência da relação entre duas pessoas residiria no fato, de saber se uma das duas partes cederia ou não à outra, todo o interesse, toda a curiosidade, toda a audácia e a manipulação que provaram as partes em questão, sempre visaram a submissão do parceiro com a finalidade de deitar-se com ele. Hoje, quando os encontros sexuais têm se tornado extremamente fáceis e numerosos, como é o caso dos encontros homossexuais, as complicações acontecem apenas depois do ato. Nestes encontros repentinos, depois de ter feito amor, que se começa a inquirir o outro. Uma vez consumado o ato sexual, pergunta-se, então ao parceiro: “Qual é mesmo seu nome?”
Estamos na presença de uma situação em que toda a energia e a imaginação, antes canalizadas para a corte em uma relação heterossexual, se aplicam, ai, para intensificar o ato sexual. Desenvolve-se hoje toda uma nova arte da prática sexual, que tenta explorar as diversas possibilidades internas do comportamento sexual. Vemos se constituir em cidades como São Francisco e Nova Iorque, o que se pode chamar de laboratórios de experimentação sexual. Pode-se ver, em contrapartida à corte medieval, que definia regras muito estritas de propriedade no ritual da corte.
É porque o ato sexual tornou-se tão fácil e tão acessível aos homossexuais que corre o risco de tornar-se rapidamente tedioso; por isso se faz tudo o que é possível para inovar e introduzir variações que intensifiquem o prazer do ato.
– Sim, mas por que essas inovações têm tomado esta forma e não outra? De onde vem a fascinação pelas funções excretoras, por exemplo?
– Eu acho mais surpreendente o caso do sadomasoquismo. Mais surpreendente, na medida onde as relações sexuais se elaboram e se exploram através de relações míticas. O sadomasoquismo não é uma relação entre este (ou esta) que sofre e este (ou esta) que inflige o sofrimento, mas entre um senhor e a pessoa sobre a qual se exerce sua autoridade. O que interessa aos adeptos do sadomasoquismo é o fato de que a relação é ao mesmo tempo submissa às regras e aberta. Ela lembra um jogo de xadrez, onde um pode ganhar e o outro perder. O senhor pode perder, no jogo sadomasoquista, se ele se revela incapaz de satisfazer a necessidade e exigências de sofrimento de sua vítima. Da mesma forma, o escravo pode perder se ele não consegue tolerar ou não suporta o desafio lançado pelo senhor. Essa mistura de regras e de abertura tem por efeito intensificar as relações sexuais, introduzindo uma novidade, uma tensão e uma incerteza perpétuas, que é isenta na simples consumação do ato. O objetivo é usar qualquer parte do corpo como um instrumento sexual.
De fato, a prática do sadomasoquismo é ligada à expressão célebre “animal triste post coitum”. Como o coito é imediato nas relações homossexuais, o problema se torna: “O que se pode fazer para se proteger do caminho da tristeza?”
– Você veria uma explicação para o fato dos homens parecerem hoje menos dispostos a aceitar a bissexualidade das mulheres do que de outros homens?
– Isso tem, sem dúvida, a ver com o papel que as mulheres desempenham na imaginação dos homens heterossexuais. Eles as consideram, desde sempre, como sua propriedade exclusiva. Para preservar essa imagem, um homem deve impedir sua mulher de estar muito em contato com outros homens; as mulheres se viam, assim, restritas a seu contato social com as outras mulheres, o que explica que uma tolerância maior no que diz respeito às relações físicas entre as mulheres. Por outro lado, os homens heterossexuais tinha a impressão que se eles praticassem a homossexualidade, isso destruiria essa imagem que eles têm de si, junto às mulheres. Os homens pensam que as mulheres apenas experimentam prazer na condição que elas os reconheçam como senhores. Mesmo para os gregos, o fato de ser o parceiro passivo em uma relação amorosa constituía um problema. Para um membro da nobreza grega, fazer amor com um escravo passivo era natural, porque o escravo era, por natureza, inferior. Mas quando dois gregos da mesma classe social queriam fazer amor, isso colocava um verdadeiro problema pois nenhum dos dois consentia em se reduzir diante do outro.
Os homossexuais ainda hoje conhecem este problema. A maioria deles consideram que a passividade é, de uma certa forma, degradante. A prática do sadomasoquismo contribuiu, de fato, para tornar o problema menos agudo.
– Você pensa que as formas culturais que se desenvolvem na comunidade gay são, em grande medida, destinadas aos jovens membros dessas comunidades?
– Sim, em muitos casos, penso eu; mas eu não estou seguro que se possa tirar conclusões importantes daí. Certamente, é enquanto homem de cinqüenta anos que tenho a impressão que, quando leio certas publicações são feitas para e por gays, que elas não se endereçam a mim, que não há, de uma certa maneira, lugar para mim. Eu não me fundamentaria nestes fatos para criticar essas publicações, já que elas satisfazem os interesses de seus autores e de seus leitores. Mas eu não posso me impedir de observar que há uma tendência, entre os gays cultos, a considerar os grandes problemas, as grandes questões de estilo de vida interessam prioritariamente às pessoas que tem entre vinte e trinta anos.
– Eu não vejo por que isso não poderia constituir a base não somente de uma crítica de certas publicações específicas, mas também da vida gay em geral.
– Eu não disse que ai não se poderia encontrar matéria para crítica, mas somente que esta critica não me pareceria útil.
– Por que não considerar, neste contexto, o culto voltado ao jovem corpo masculino como o núcleo mesmo dos fantasmas homossexuais clássicos e falar da maneira que esse culto aciona a negação de processos vitais comuns, em particular o envelhecimento e o declínio do desejo?
– Escute, essas questões que você levanta não são novas e você o sabe. No que diz respeito ao culto voltado ao jovem corpo masculino, eu não estou totalmente convencido que isso seja específico dos homossexuais, ou que isso tenha que ser considerado como patológico. Se é isso que sua questão exprime, eu a recuso. Mas lembro a você que, além do fato de que os gays sejam necessariamente tributários de um processo vital, eles são também, na maioria dos casos, bem conscientes disso. As publicações gays talvez não consagrem tanto o lugar que eu desejaria às questões de amizade entre homossexuais ou à significação das relações de ausência de códigos ou de linhas de condutas estabelecidas; porém cada vez mais gays têm resolvido essas questões por si mesmos. E, como você sabe, eu acredito que o que embaraça mais quem não é homossexual é o estilo de vida gay e não os atos sexuais em si.
– Você faz alusão a coisas como os sinais de afeto e as carícias que os homossexuais se fazem em público ou antes à maneira chamativa que eles se vestem, ou ainda, ao fato de que eles arvoram as reuniões formais?
– Todas essas coisas apenas podem ter um efeito perturbador sobre certas pessoas. Porem, eu fazia alusão, sobretudo, ao temor comum de que os gays estabeleçam relações que, ainda que elas não se conformem em nada ao modelo de relações exaltado pelos outros, aparecendo, apesar de tudo, como intensas e satisfatórias. É esta idéia de que os homossexuais possam criar relações que não possamos ainda prever, que muitas pessoas não podem suportar.
– Você faz alusão, então, às relações que não impliquem nem a possessividade nem a fidelidade – para apenas mencionar dois fatores comuns que poderiam ser negados?
– Se não podemos prever o que serão essas relações, não podemos verdadeiramente dizer que esse ou aquele traço será negado. Porém, podemos ver no exército, por exemplo, como o amor entre homens pode nascer e se afirmar em circunstâncias onde somente o puro hábito e a regra são permitidos prevalecer. E é possível que mudanças afetem, em maiores proporções, as rotinas estabelecidas, na medida em que os homossexuais aprendam a exprimir seus sentimentos em relação uns aos outros das maneiras mais variáveis e criarem estilos de vida que não se assemelhem aos modelos institucionais.
– Você considera que seu papel seja de endereçar à comunidade gay particularmente as questões de importância geral, como as que você levantou?
– Eu tenho, habitualmente, conversas com outros membros da comunidade gay. Nós discutimos, tentamos encontrar maneiras de nos abrir uns aos outros. Porém eu me vigio para não impor minhas próprias visões, para não fixar planos ou programas. Eu não quero desencorajar a invenção, não quero que os homossexuais cessem de crer que são eles que devem regular suas próprias relações, descobrir o que serve para suas situações individuais.
– Você não pensa que haveria conselhos particulares ou uma perspectiva específica que um historiador ou um arqueólogo da cultura como você pudesse oferecer?
– É sempre útil compreender o caráter historicamente contingente das coisas, de ver como e porque as coisas se tornam o que elas são. Mas eu não sou o único que é equipado para mostrar essas coisas e quero me guardar da suposição de que certos desenvolvimentos foram necessários ou inevitáveis. Minha contribuição pode ser, eventualmente, ser útil em certos domínios, mas, ainda uma vez, eu quero evitar de impor meu sistema ou meu plano.
– Você pensa que, de uma maneira geral, os intelectuais são, em relação aos diferentes modos de comportamento sexual, mais tolerantes ou mais receptivos que as outras pessoas? Caso positivo, isso se deveria a uma melhor compreensão da sexualidade humana? Caso negativo, você pensa que você e outros intelectuais possam fazer alguma coisa para melhorar essa situação? Qual é o melhor meio de reorientar o discurso racional sobre o sexo?
– Eu penso que em matéria de tolerância, nós sustentamos numerosas ilusões. Tome o incesto, por exemplo. O incesto tem sido, durante muito tempo, uma prática popular – entendo por isso uma prática muito difundida entre o povo. Até o fim do séc. XIX, diversas pressões sociais começaram a se exercer contra o incesto. É claro que a grande interdição ao incesto é uma invenção dos intelectuais.
– Você quer dizer figuras como Freud e Lévi-Strauss ou pensa na classe intelectual em seu conjunto?
– Não, eu não viso uma pessoa em particular. Eu chamo sua atenção sobre o fato de que, se você pesquisa na literatura do séc. XIX estudos sociológicos ou antropológicos sobre o incesto, você não vai encontrar. Existe antes, aqui e ali, algumas relações médicas e outras, mas parece que a prática do incesto não tem um verdadeiro lugar de problema, na época.
Sem dúvida, esses assuntos são abordados mais abertamente entre os melhores intelectuais, mas isso não é sinal de uma tolerância maior. Isso, as vezes, indica o contrário. Há dez ou quinze anos, quando eu freqüentava o meio burguês, eu me lembro que era raro uma reunião sem que se abordasse a questão da homossexualidade e da pederastia – afinal, não se esperava mesmo a sobremesa. Mas essas mesmas pessoas que abordavam abertamente essas questões provavelmente não admitiriam jamais a pederastia de seus filhos.
Quanto a prescrever a orientação que devem tomar um discurso racional sobre o sexo, eu prefiro não legislar sobre esse assunto; por uma razão: a expressão “discurso intelectual sobre o sexo” é muito vaga. Certos sociólogos, sexólogos, psiquiatras, médicos e moralistas têm propostas muito estúpidas – assim como outros membros dessas mesmas profissões têm propostas inteligentes. A questão, em minha opinião, não é sobre um discurso intelectual sobre o sexo, mas de um discurso estúpido e de um discurso inteligente.
– Eu compreendi que o senhor descobriu, há pouco tempo, um certo numero de obras que progridem em uma boa direção.
– É verdade, mais do que eu podia imaginar há alguns anos. Mas no conjunto, a situação é menos que encorajadora.
v Traduzido a partir de FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, pp. 320-335 por Wanderson Flor do Nascimento.
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[1] Boswell (J.), Christianity, Social Tolerance and Homosexuality: Gay People in Western Europe from the Beginning of the Christian Era to the Fourteenth Century. Chicago: The University of Chicago Press, 1980.
[2] Alusão à frase de Freud: "Eu lhe expliquei um dia que eu não devia confiar nesses sonhos, pois eles são mentirosos". Em "Sur la psychogenèse d'un cas d'homosexualité féminine", 1920, Névrose, Psychose Perversion. P.U.F., 1973, p.264.
[3] RIVERS (J. C.). Proust and the Art of Loving: The Aesthetics of Sexuality in the Life, Times and Art of Marcel Proust. New York: Columbia University Press, 1980.
[4] Rieff, P. “The Impossible Culture”, Salmagundi, nos 58-59: Homosexuality: Sacrilege, Vision, Politics, autonome 1982-hiver pp. 406-426.
[5] Cocteau, J. Le Livre blanc. Paris: Sachs et Bonjean, 1928.
[6] Lucien. Dialogues des courtisanes. (trad. E. Talbot). Paris: Jean-Claud Lettès, 1979.
[7] Proust, M. À la recherche du temps perdu. t. I: Du cote chez Swann, 2e partie: une amour de Swann. Paris: Ed. De la Nouvelle Revue française, 1929.
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