segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Permanência e distância


Nesta época, final de ano, Natal, sentimentos à flor da pele, exemplos comoventes, cartinhas emocionantes, as pessoas que gostam de pensar, geralmente, usam essa torrente de sentimentos como estímulo para pensar sobre a permanência e os valores que dão sentido à vida.



Viver é simples, né? Respirar, comer, dormir, acordar, um ciclo a que vamos acrescentando os marcos que distinguem seus períodos. Acho que a rapidez com que os anos passam para as pessoas que vão envelhecendo tem a ver com a ausência de marcos, novidades no ano de cada um. Cada vez mais, viu-se de tudo, ouviu-se mais ainda e os exemplos estão aí para (não) ajudar o tempo a passar.

Zygmunt Bauman fala da liquidez das coisas, da fluidez com que tudo escorre entre os dedos, da impermanência, pouca duração de tudo que acontece. E se nos concentramos nos que realmente conta para cada um e para si? E se transformamos o egoísmo em algo positivo, em um sentimento capaz de provocar simpatia com o outro pelas consequências de sua interação na vida de cada um?

Zaratustra estabelece que há felicidade para todos, mas não a mesma felicidade para cada um. E se a buscarmos na permanência do que nos gera o sentimento de estar feliz, se conseguirmos enxergar, em nós mesmos, aquilo que precisamos para que possamos reconhecer no outro um componente da felicidade pessoal? É mais fácil falar do que fazer, não é?


Então, (influência das minhas constantes idas a São Paulo, esse "Então...), luto pela permanência das coisas que me são caras, para que eu possa ajudar alguém a manter as coisas que lhe são tão caras quanto.

A amizade de minha irmã, querida Carolina, que parece vem se reforçando com o passar do tempo. Falta-nos a intimidade, mas não o amor que é preciso para que consigamos pensar em fazer um ao outro felizes!

O pessoal de São Paulo, não vou relacionar os nomes pois teria pavor de ter esquecido alguém e não conseguiria fechar esta página, mas que personalizo no Paulo Mesquita e na Déboha Cifu, um pessoal que reafirma, a cada ocasião, o valor da amizade e o significado de uma intimidade respeitosa.

A convivência, na maior parte do tempo, pacífica com os problemas do dia-a-dia de uma cidade tão cheia de problemas como o Rio! As amizades virtuais, tão valiosas como qualquer outra, que personifico no Carlucho, que ajudam a dar sentido a este excesso de informação e escassez de memória...

Também as amizades da vida real, palpável, aqui fora...essas são o sal da terra, ajudam todo dia que se veja que nada é tão complicado quanto parece, que fazer o bem pode ser tão prazeroso quanto conviver com os poderosos (em qualquer sentido), não é Ana? que ser enrolado pode ser uma virtude, não é Tereza? e são tantos e tão variados que é preciso a amizade que nos une para que consigamos nos ver como indivíduos.

E, sobretudo, o Alberto, que ajuda a dar sentido a todo este universo de estranhezas e disparidades, de emoções e alheamentos, mas que é o companheiro que se precisa para atravessar alguns períodos da vida em que tudo parece mais difícil do que deveria ser. Ser grato não é a questão aqui, já que tudo que temos em comum é isto mesmo: tudo o que temos em comum! Conseguimos, à custa de sangue, suor e lágrimas, transformar o sonho de muitos em nossa realidade. Zé Virola, um chatão, é essencial para que tudo faça sentido.

Vamos todos para 2014, em busca de novas permanências e procurando forças para resistir à ausência do que não pode ser permanente, mas que gostaríamos que o fosse. Antes de lamentar a efemeridade das coisas que importam, lutemos pela sua presença constante em nossas vidas.

E, claro, não poderia faltar o componente do charme e beleza que acrescenta, como uma rosa é um supérfluo que nos foi ofertado pela entidade superior,  não poderia faltar o Paquinho....


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Bondade

Natal, né? Época em que a compaixão, a bondade deveriam estar mais à tona, mas em algum lugar da caminhada, perdeu-se o senso. Nada muito cristão, principalmente se não der IBOPE!

Sandor Marai, em "O Jantar" (acho que é este o título), fala da caridade gorda, da compaixão fácil, que não exige esforço algum para ser feita, como enfiar a mão no bolso e jogar uma moeda na caixinha de chicletes do garoto ou do aleijão mais próximo. Esta caridade tem valor zero...

Mas, definitiva mesmo, é a mestre de todos nós, Hannah Arendt, que define, definitivamente: (ah!Uma aliteração provocada e óbvia!!Vai ficar!)

"A bondade, para se afirmar como tal, deve ser genuína. Sermos bons, porque está na época em que é de bom tom mostrarmos que somos bons, é a mais absoluta hipocrisia. Sejamos bons sim, mas continuamente. Sejamos bons sim, mas não para mostrarmos aos outros que somos bons. A maior, e a verdadeira bondade, é aquela que se pratica sem alaridos, sinal de que a bondade é algo que deve ser normal e frequente, e não uma festa sempre que acontece - senão estamos exatamente a denunciar que só somos bons de vez em quando."

Bondade e Sabedoria devem ser inocentes, Hannah Arendt

Quem sou eu para discutir!!!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A solidão compartilhada

Que coisa! Sentir-se sozinho em meio a tanta gente, sentir-se só no meio da festa, procurar a razão justa para se estar ali e sentir que a resposta está em algum lugar, fora de si mesmo...
Não falo de mim, tive sorte suficiente na vida para ter um companheiro que está presente em todas as horas, que se esforça para acompanhar minhas "mood waves". Fazer o quê? desejo que cada um tenha a chance de reconhecer quem vai preencher o espaço que cada um coloca disponível em sua vida. Encontrar, talvez todos encontrem. A grande questão é saber reconhecer, é notar que "É esse!!!" ou "É essa!!"...
No mais, um poema sobre a solidão do português Antonio Feijó:



Hino à SolidãoDiz-se que a solidão torna a vida um deserto; 
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca 
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo 
                                                                [aberto 
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca. 

Mundo vasto que mil existências povoam: 
Imagens, concepções, formas do sentimento, 
— Sonhos puros que nele em beleza revoam 
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento. 

Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra 
Esse fecundo chão onde se esconde e medra 
A semente que vai germinar na Palavra, 
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra! 

Basta que certa luz de seus raios aqueça 
A semente que jaz na sua leiva escondida, 
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça, 
De perfumes enchendo as estradas da Vida. 

Sei que embora essa luz nem para todos tenha 
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador, 
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha, 
Vivendo como um deus no seu mundo interior. 

E que mundo sublime, esse em que ele se agita! 
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou, 
E em cuja criação o seu sangue palpita, 
Que não há deus estranho aos orbes que formou. 

Nem lutas, nem paixões: ideais serenidades 
Em que o Tempo se esvai sob o encanto da Hora... 
O passado e o porvir são ânsias e saudades: 
Só no instante que passa a plenitude mora. 

Sombra crepuscular, que a Noite não atinge, 
Nem a Aurora desfaz: rosicler e luar, 
Meia tinta em que a Alma abre os lábios de Esfinge, 
E o seu mistério ensina a quem sabe escutar. 

Mas então, inundando essa penumbra doce, 
De não sei que sublime esplendor sideral, 
Como se a emanação dum ser divino fosse, 
Deixa no nosso olhar um reflexo imortal. 

Na vertigem que a vida exalta e desvaria, 
Pára alguém para ouvir um coração que bate 
No seio mais formoso, o olhar que se extasia 
Vê o mundo que nele em ânsias se debate? 

É só na solidão que a alma se revela, 
Como uma flor nocturna as pétalas abrindo, 
A uma luz, que é talvez o clarão duma estrela, 
Talvez o olhar de Deus, de astro em astro caindo... 

E dessa luz, a flor sem forma, há pouco obscura, 
Recebe o seu quinhão de graça e de pureza, 
Como das mãos do artista, animando a escultura, 
O mármore recebe a sua alma — a Beleza. 

Se sofrer é pensar, na paz do isolamento, 
Como dum cálix cheio o líquido extravasa, 
A Dor, que a Alma empolgou, transborda em 
                                                          [pensamento, 
E a pouco e pouco extingue o fogo em que se 
                                                                   [abrasa. 

Como a montanha de oiro, a Alma, em seu 
                                                             [mistério, 
À superfície nunca o seu teor revela; 
Só depois de sondado e fundido o minério 
Se conhece a riqueza acumulada nela. 

Corações que a Existência em tumulto arrebata! 
Esse oiro só se extrai do minério candente, 
No silêncio, na paz, na quietação abstracta, 
Das estrelas do céu sob o olhar indulgente... 

António Feijó, in 'Sol de Inverno'