quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A solidão compartilhada

Que coisa! Sentir-se sozinho em meio a tanta gente, sentir-se só no meio da festa, procurar a razão justa para se estar ali e sentir que a resposta está em algum lugar, fora de si mesmo...
Não falo de mim, tive sorte suficiente na vida para ter um companheiro que está presente em todas as horas, que se esforça para acompanhar minhas "mood waves". Fazer o quê? desejo que cada um tenha a chance de reconhecer quem vai preencher o espaço que cada um coloca disponível em sua vida. Encontrar, talvez todos encontrem. A grande questão é saber reconhecer, é notar que "É esse!!!" ou "É essa!!"...
No mais, um poema sobre a solidão do português Antonio Feijó:



Hino à SolidãoDiz-se que a solidão torna a vida um deserto; 
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca 
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo 
                                                                [aberto 
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca. 

Mundo vasto que mil existências povoam: 
Imagens, concepções, formas do sentimento, 
— Sonhos puros que nele em beleza revoam 
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento. 

Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra 
Esse fecundo chão onde se esconde e medra 
A semente que vai germinar na Palavra, 
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra! 

Basta que certa luz de seus raios aqueça 
A semente que jaz na sua leiva escondida, 
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça, 
De perfumes enchendo as estradas da Vida. 

Sei que embora essa luz nem para todos tenha 
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador, 
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha, 
Vivendo como um deus no seu mundo interior. 

E que mundo sublime, esse em que ele se agita! 
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou, 
E em cuja criação o seu sangue palpita, 
Que não há deus estranho aos orbes que formou. 

Nem lutas, nem paixões: ideais serenidades 
Em que o Tempo se esvai sob o encanto da Hora... 
O passado e o porvir são ânsias e saudades: 
Só no instante que passa a plenitude mora. 

Sombra crepuscular, que a Noite não atinge, 
Nem a Aurora desfaz: rosicler e luar, 
Meia tinta em que a Alma abre os lábios de Esfinge, 
E o seu mistério ensina a quem sabe escutar. 

Mas então, inundando essa penumbra doce, 
De não sei que sublime esplendor sideral, 
Como se a emanação dum ser divino fosse, 
Deixa no nosso olhar um reflexo imortal. 

Na vertigem que a vida exalta e desvaria, 
Pára alguém para ouvir um coração que bate 
No seio mais formoso, o olhar que se extasia 
Vê o mundo que nele em ânsias se debate? 

É só na solidão que a alma se revela, 
Como uma flor nocturna as pétalas abrindo, 
A uma luz, que é talvez o clarão duma estrela, 
Talvez o olhar de Deus, de astro em astro caindo... 

E dessa luz, a flor sem forma, há pouco obscura, 
Recebe o seu quinhão de graça e de pureza, 
Como das mãos do artista, animando a escultura, 
O mármore recebe a sua alma — a Beleza. 

Se sofrer é pensar, na paz do isolamento, 
Como dum cálix cheio o líquido extravasa, 
A Dor, que a Alma empolgou, transborda em 
                                                          [pensamento, 
E a pouco e pouco extingue o fogo em que se 
                                                                   [abrasa. 

Como a montanha de oiro, a Alma, em seu 
                                                             [mistério, 
À superfície nunca o seu teor revela; 
Só depois de sondado e fundido o minério 
Se conhece a riqueza acumulada nela. 

Corações que a Existência em tumulto arrebata! 
Esse oiro só se extrai do minério candente, 
No silêncio, na paz, na quietação abstracta, 
Das estrelas do céu sob o olhar indulgente... 

António Feijó, in 'Sol de Inverno'

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