domingo, 16 de dezembro de 2007

D.H. Lawrence




DH poeta é pouco editado, infelizmente, e conservo com ciúmes a edição bilíngüe da Iluminuras, de 1985, com tradução de Leonardo Fróes. Esta semana encontrei em um sebo da cidade a edição de Poesias Completas, da Penguin. Será que esgotei minha sorte nesta e nunca terei chances de ganhar na Sena? Seguirei meus dias lendo...

DH é uma vítima do próprio sucesso, afinal, O Amante de Lady Chattlerly e Filhos e amantes são menires literários.
DH foi um poeta moderno à frente do modernismo, engajado, que não acreditava no retorno aos "bons tempos" e nem no 'bom selvagem'.Como Allan Watts (wikpédia existe para isso, corra lá!), acreditava que a principal (r)evolução é interna, o passado ficou lá! A sua total impossibilidade de enquadramento no mundo atual conduzia o Poeta à conclusão que é necessária a participação, de alguma forma, nas ações revolucionárias, sejam elas comportamentais, sociais etc.
No dizer do próprio DH, "uma pessoa é um ser humano tal como aparece aos outros, e a personalidade é o que é transmitido dessa pessoa para sua audiência; é o efeito transmissível de um homem".
Espero que o poema At a Lose End transmita uma idéia do grande poeta!

At a Loose End

Many years have I still to burn, detained
Like a candle-flame on this body; but I enclose
Blue shadow within me, a presence which lives contained
In my flame of living, the invisible heart of the rose.

So through these days, while I burn on the fuel of life,
What matter the stuff I lick up in my daily flame,
Seeing the core is a shadow inviolate
A darkness that dreams my dream for me, ever the same.


na tradução de Leonado Fróes:

Na corda bamba

Muitos anos eu tenho de queimar ainda, detido
Como uma chama de vela neste corpo; mas viçosa
Sombra se inclui em mim, presença de azul contido
No meu ardor de viver, o oculto coração da rosa.

Pelos dias assim, enquanto queimo ao combustível da vida,
Pouco importa o que lambo em minhas labaredas a esmo,
Já que vejo que o centro é a sombra inviolada,
A escuridão que por mim sonha meu sonho, sempre o mesmo.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Charles Baudelaire



L'Ennemi

Ma jeneusse ne fut qu'un ténébreux orage,
Traversé çá et lá par de brillants soleils;
Le tonnerre et la pluie on fait un tel ravage,
qu'il reste en mon jardin bien peu de fruits vermeils.

Voilá que j'ai touché l'automne des idées,
et qu'il faut employer la pelle et les râteauz
pour rassembler à neuf les terres inondées,
Oú l'eau creuse des trous grands comme des tombeaux.

Et qui sait si les fleurs nouvelles que je rêve
trouveront dans ce sol lavé comme une grève
Le mystique aliment qui ferait leur vigueur?

-O douleur! ô douleur! Les temps mange la vie,
et l'obscur ennemi qui nous ronge le coeur!
Du sang que nous perdons corît et se fortifie!!

(Les Fleurs du Mal, Spleen et Idéal)

domingo, 9 de dezembro de 2007

Sophia de Mello Breyner Andresen




Cíclades
(evocando Fernando Pessoa)

A claridade frontal do lugar impõe-me a tua presença
o teu nome emerge como se aqui
O negativo que foste de ti se revelasse.

Viveste no avesso
Viajante incessante do inverso
Isento de ti próprio
Em Lisboa cenário da vida
E eras o inquilino de um quarto alugado por cima de uma leitaria
O empregado competente de uma casa comercial
O frequentador irônico delicado e cortês dos cafés da Baixa
O visionário discreto dos cafés virados para o Tejo

(Onde ainda no mármore das mesas
Buscamos o rastro frio das tuas mãos
-O imperceptível dedilhar das tuas mãos)

Esquartejado pelas fúrias do não-vivido
À Margem de ti dos outros e da vida
Mantiveste em dia os teus cadernos todos
Com meticulosa exatidão desenhaste os mapas
Das múltiplas navegações da tua ausência -

Aquilo que não foi nem foste ficou dito
Como ilha surgida a barlavento
Com prumos sondas astrolábios bússolas
Procedeste ao levantamento do desterro

Nasceste depois
e alguém gastara em si toda a verdade
O caminho da Índia já fora descoberto
Dos deuses só restava
o incerto perpassar
No murmúrio e no cheiro das paisagens
E tinhas muitos rostos
Para que não sendo ninguém dissesses tudo
Viajavas no avesso no inverso no adverso

Porém obstinada eu invoso - ó dividido -
O instante que te unisse
e celebro a tua chegada às ilhas onde jamais vieste

Estes são arquipélagos que derivam ao longo do teu rosto
Estes são os rápidos golfinhos da tua alegria
que os deuses não te deram nem quiseste

Este é o país onde a carne das estátuas como choupos estremece
atravessada pelo respirar leve da luz
aqui brilha o azul-respiração das coisas
nas praias onde há um espelho voltado para o mar

Aqui o enigma que me interroga desde sempre
é mais nu e veemente e por isso te invoco:
"Porque foram quebrados os teus gestos
quem te cercou de muros e de abismos
quem derramou no chão os teus segredos"

Invoco-te como se chegasses neste barco
e pousasses os teus pés nas ilhas
e a sua excessiva proximidade te invadisse como um rosto amado debruçado sobre ti


No estio deste lugar chamo por ti
Que hibernaste a própria vida como o animal na estação adversa
que te quiseste distante como quem ante o quadro p'ra melhor ver recua
e quiseste a distância que sofreste

Chamo por ti - reúno os destroços as ruínas os pedaços -
porque o mundo estalou como pedreira
e no chão rolam capitéis e braços
colunas divididas estilhaços
e da ânfora resta o espalhamento de cacos
perante os quais os deuses se tornam estrangeiros

Porém aqui as deusas cor de trigo
erguem a longa harpa dos seus dedos
e encantam o sol azul onde te invoco
onde invoco a palavra impessoal da tua ausência

Pudesse o instante da festa romper o teu luto
o viúvo de ti mesmo
e que ser e estar coincidissem
no um da boda
como se o teu navio esperasse em Thasos
como se Penélope
nos seus quartos altos
entre seus cabelos te fiasse.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

António Ramos Rosa




Não posso adiar o amor para outro século

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore.

não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação.

Não posso adiar o coração.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Mário Faustino



Não Quero Amar o Braço Descarnado

Não quero amar o braço descarnado
Que se oculta em meu braço, nem o peito
Silente que se instala no meu lado,
Onde pulsa de horror um ser desfeito
Na presente visão de seu passado
Em futuro sem tempo contrafeito,
Em tempo sem compasso transmudado.
O morto que em mim jaz aqui rejeito.
Quero entregar-me ao vivo que hoje sua
De medo de perder-me em pleno leito
Rubro de vida e morte em que me deito
À luz de ardente e grave e cheia lua.
Ao que, se a Morte chama ao longe: Mário!,
Me abraça estremecendo em meu sudário.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Jorge Luis Borges



La Pesadilla

Sueño con un antiguo rey. De hierro
es la corona y muerta la mirada.
Ya no hay caras así. La firme espada
lo acatará, leal como su perro.
No sé si es de Nortumbria o de Noruega.
Sé que es del Norte. La cerrada y roja
barba le cubre el pecho. No me arroja
una mirada su mirada ciega.
De qué apagado espejo, de qué nave
de los mares que fueron su aventura,
habrá surgido el hombre gris y grave
que me impone su antaño y su amargura?
Sé que me sueña y que me juzga, erguido.
El dia entra en la noche. No se ha ido.