quarta-feira, 30 de abril de 2008

A PLENOS PULMÕES




Primeira Introdução ao Poema
Caros
camaradas
futuros!
Revolvendo
a merda fóssil
de agora,
perscrutando
estes dias escuros,
talvez
perguntareis
por mim.

Ora,
começará
vosso homem de ciência,
afagando os porquês
num banho de sabença,
conta-se
que outrora
um férvido cantor
a água sem fervura
combateu com fervor(1).
Professor,
jogue fora
as lentes-bicicleta!
A mim cabe falar
de mim
de minha era.
Eu – incinerador,
eu – sanitarista,
a revolução
me convoca e me alista.
Troco pelo front
a horticultura airosa
da poesia –
fêmea caprichosa.
Ela ajardina o jardim virgem
vargem
sombra
alfombra.
“É assim o jardim de jasmim,
o jardim de jasmim do alfenim."
Este verte versos feito regador,
aquele os baba,
boca em babador, –
bonifrates encapelados,
descabelados vates –
entendê-los,
ao diabo!,
quem há-de...
Quarentena é inútil contra eles
– mandolinam por detrás das paredes:
"Ta-ran-tin, ta-ran-tin,
ta-ran-ten-n-n..."
Triste honra,
se de tais rosas
minha estátua se erigisse:
na praça
escarra a tuberculose;
putas e rufiões
numa ronda de sífilis.
Também a mim
a propaganda
cansa,
é tão fácil
alinhavar
romanças, –
Mas eu
me dominava
entretanto
e pisava
a garganta do meu canto.
Escutai,
camaradas futuros,
o agitador,
o cáustico caudilho,
o extintor
dos melífluos enxurros:
por cima
dos opúsculos líricos,
eu vos falo
como um vivo aos vivos.
Chego a vós,
à Comuna distante,
não como Iessiênin,
guitarriarcaico.
Mas através
dos séculos em arco
sobre os poetas
e sobre os governantes.
Meu verso chegará,
não como a seta
lírico-amável,
que persegue a caça.
Nem como
ao numismata
a moeda gasta,
nem como a luz
das estrelas decrépitas.
Meu verso
com labor
rompe a mole dos anos,
e assoma
a olho nu,
palpável,
bruto,
como a nossos dias
chega o aqueduto
levantado
por escravos romanos.
No túmulo dos livros,
versos como ossos,
se estas estrofes de aço
acaso descobrirdes,
vós as respeitareis,
como quem vê destroços
de um arsenal antigo,
mas terrível.
Ao ouvido
não diz
blandícias
minha voz;
lóbulos de donzelas
de cachos e bandós
não faço enrubescer
com lascivos rondós.
Desdobro minhas páginas
– tropas em parada,
e passo em revista
o front das palavras.
Estrofes estacam
chumbo-severas,
prontas para o triunfo
ou para a morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
apontando
as maiúsculas
abertas.
Ei-la,
a cavalaria do sarcasmo,
minha arma favorita,
alerta para a luta.
Rimas em riste,
sofreando o entusiasmo,
eriça
suas lanças agudas.
E todo
este exército aguerrido,
vinte anos de combates,
não batido,
eu vos dôo,
proletários do planeta,
cada folha
até a última letra.
O inimigo
da colossal
classe obreira,
é também
meu inimigo
figadal.
Anos
de servidão e de miséria
comandavam
nossa bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx
volume após volume,
janelas
de nossa casa
abertas amplamente,
mas ainda sem ler
saberíamos o rumo!
onde combater,
de que lado,
em que frente.
Dialética,
não aprendemos com Hegel.
Invadiu-nos os versos
ao fragor das batalhas,
quando,
sob o nosso projétil,
debandava o burguês
que antes nos debandara.
Que essa viúva desolada,
– glória –
se arraste
após os gênios,
merencória.
Morre,
meu verso,
como um soldado
anônimo
na lufada do assalto.

Cuspo
sobre o bronze pesadíssimo,

cuspo
sobre o mármore viscoso.
Partilhemos a glória, –
entre nós todos, –
o comum monumento:
o socialismo,
forjado
na refrega
e no fogo.
Vindouros,
varejai vossos léxicos:
do Letes
brotam letras como lixo –
"tuberculose",
"bloqueio",
"meretrício".
Por vós,
geração de saudáveis, –
um poeta,
com a língua dos cartazes,
lambeu
os escarros da tísis.
A cauda dos anos
faz-me agora
um monstro,
fossilcoleante.
Camarada vida,
vamos,
para diante,
galopemos
pelo qüinqüênio afora(2).
Os versos
para mim
não deram rublos,
nem mobílias
de madeiras caras.
Uma camisa
lavada e clara,
e basta, –
para mim é tudo.
Ao Comitê Central
do futuro
ofuscante,
sobre a malta
.dos vates
velhacos e falsários,
apresento
em lugar
do registro partidário
todos
os cem tomos
dos meus livros militantes.

dezembro, 1929/janeiro, 1930
(Tradução e notas de Haroldo de Campos)
Do livro "Maiakovski - Poemas"/Editora Perspectiva, 1982.

domingo, 27 de abril de 2008

Juan Ramon Jimenez



Prêmio Nobel, traduzido por Bandeira.

A PAZ


Ter em minhas mãos
Uns jasmins com sol,
com o primeiro sol;
Saber que amanhece
em meu coração;
Ouvir de manhã
Uma única voz...
É tudo o que quero.
Regressar sem ódios,
Calmo adormecer,
Sonhar ter nas mãos
Silindras com sol,
com o último sol;
Dormir escutando
Uma única voz...
É tudo o que quero.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Joni Mitchell II



Chelsea Morning



Woke up, it was a Chelsea morning
And the first thing that I heard
Was a song outside my window
And the traffic wrote the words
It came ringing up like Christmas bells
And rapping up like pipes and drums

Oh, won't you stay
We'll put on the day
And we'll wear it 'till the night comes

Woke up, it was a Chelsea morning
And the first thing that I saw
Was the sun through yellow curtains
And a rainbow on the wall
Blue, red, green and gold to welcome you
Crimson crystal beads to beckon

Oh, won't you stay
We'll put on the day
There's a sun show every second

Now the curtain opens on a portrait of today
And the streets are paved with passersby
And pigeons fly
And papers lie
Waiting to blow away

Woke up, it was a Chelsea morning
And the first thing that I knew
There was milk and toast and honey
And a bowl of oranges, too
And the sun poured in like butterscotch
And stuck to all my senses

Oh, won't you stay
We'll put on the day
And we'll talk in present tenses

When the curtain closes
And the rainbow runs away
I will bring you incense
Owls by night
By candlelight
By jewel-light
If only you will stay
Pretty baby, won't you
Wake up, it's a Chelsea morning

terça-feira, 15 de abril de 2008

Marcello Sorrentino




Perversa aerostação


E a natureza continua fazendo loucamente pessoas como eu,
mandando-as de encontro a mim, como você.

Eu vejo agora o que estamos fazendo: dizendo não
às flores para que sejamos nós a única flor.

E concedamos um terrível encanto à vida,
desfibrando flores sob o noturno

Algodoal de estrelas, beijando o devastado flanco
da lua, que também usa nossas máscaras de ladrão.

Posso sentir agora mesmo Deus nos imaginando,
o Tempo nos colecionando como borboletas:

E é lindo arder na invenção dos outros, florir
e ser segado como a safra de uma idéia!

Ó amigo, eu não sei como dizer que amo, tanto,
que me preocupo, de verdade, com a sua morte.

E se por amar com esta agonia das mães
voltassem os milagres aos meus lábios?

E usando os cabelos como colar, eu sorrisse só
porque um besouro ou um bambu perfuma o vento?

Mas estamos apenas num poema onde há muito
as montanhas e as flores vêm mentir.

Onde há mais tempo que as sombras eu ando
em minha direção, juntando com as mãos o céu rachado.

Continua porém a natureza a fazer pessoas como eu,
mandando-as de encontro ao céu, numa perversa aerostação.

Quem sabe o corpo enfim aprenderá sem perguntar?
Mas de pernas de fora, tento ainda interrogar o mar,

Enlouquecendo porque o mar não pára de responder,
e vagas, e vagas são as suas respostas.

domingo, 13 de abril de 2008

A poesia

AH! A poesia, suas vacas sacradas, seus sentidos ocultos, a quem atinge? O que diz?
Gertrude Stein para crianças menores de 54? Hum.... mas a idéia é ótima!

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Thom Gunn



THE HUG

este, de novo, é para o Alberto, que tem recebido tão poucos!!!

It was your birthday, we had drunk and dined
Half of the night with your old friend
Who'd showed us in the end
To a bed I reached in one drunk stride
Already I lay snug,
And drowsy with the wine dozed on one side.
I dozed, I slept. My sleep broke on a hug,
suddenly, from behind,
in wich the full lengths of our bodies pressed:
your instep to my heel,my shoulder-blades against your chest.
It was not sex, but I could feel
the whole strength of your body set,
or braced to mine,
and locking me to you
as if I were still twenty-two
when our grand passion had not yet
become familial
my quick sleep had deleted all
of intervening time and place.
I only knew
the stay of your secure firm dry embrace.

Herberto Helder





O amor em visita


Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos,navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.

Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

William Carlos Williams





A Love Song

What have I to say to you
When we shall meet?
Yet—
I lie here thinking of you.

The stain of love
Is upon the world.
Yellow, yellow, yellow,
It eats into the leaves,
Smears with saffron
The horned branches that lean
Heavily
Against a smooth purple sky.

There is no light—
Only a honey-thick stain
That drips from leaf to leaf
And limb to limb
Spoiling the colours
Of the whole world.

I am alone.
The weight of love
Has buoyed me up
Till my head
Knocks against the sky.

See me!
My hair is dripping with nectar—
Starlings carry it
On their black wings.
See, at last
My arms and my hands
Are lying idle.

How can I tell
If I shall ever love you again
As I do now?




Em Poems 1916.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Reinvenção



A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinasde ilusionismo...
— mais nada.
Mas a vida,
a vida,
a vida,
a vida só é possívelreinventada.
Vem a lua, vem,
retira as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços cheios da tua Figura.
Tudo mentira!
Mentira da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva, fico:
recebida e dada.
Porque a vida,
a vida,
a vida,
a vida só é possível reinventada.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Frank O'Hara



Morning

I've got to tell you
how I love you always
I think of it on grey
mornings with death

in my mouth the tea
is never hot enough
then and the cigarette
dry the maroon robe

chills me I need you
and look out the window
at the noiseless snow

At night on the dock
the buses glow like
clouds and I am lonely
thinking of flutes

I miss you always
when I go to the beach
the sand is wet with
tears that seem mine

although I never weep
and hold you in my
heart with a very real
humor you'd be proud of

the parking lot is
crowded and I stand
rattling my keys the car
is empty as a bicycle

what are you doing now
where did you eat your
lunch and were there
lots of anchovies it

is difficult to think
of you without me in
the sentence you depress
me when you are alone

Last night the stars
were numerous and today
snow is their calling
card I'll not be cordial

there is nothing that
distracts me music is
only a crossword puzzle
do you know how it is

when you are the only
passenger if there is a
place further from me
I beg you do not go

Hildegard von Bingen

Abadessa, escritora, botânica, uma mulher avant ses temps. Infelizmente, pouco conhecida, já que seu comportamento não agradava muito à Igreja, que procurou escamotear seu trabalho. Como (quase) sempre, a Igreja esteve errada....