terça-feira, 25 de maio de 2010

Alberto Caieiro


Para o também Alberto, pelos dezessete anos e dez meses....

"O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio."

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Hilda Hilst

PRELÚDIOS-INTENSOS PARA OS DESMEMORIADOS DO AMOR.

I

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca

Austera. Toma-me AGORA, ANTES

Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes

Da morte, amor, da minha morte, toma-me

Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute

Em cadência minha escura agonia.



Tempo do corpo este tempo, da fome

Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,

Um sol de diamante alimentando o ventre,

O leite da tua carne, a minha

Fugidia.

E sobre nós este tempo futuro urdindo

Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida

A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.



Te descobres vivo sob um jogo novo.

Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,

Antes do muro, antes da terra, devo

Devo gritar a minha palavra, uma encantada

Ilharga

Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar

Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo

Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.



II

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.

O fundo sortilégio da omoplata.

Matéria-menina a tua fronte e eu

Madurez, ausência nos teus claros

Guardados.



Ai, ai de mim. Enquanto caminhas

Em lúcida altivez, eu já sou o passado.

Esta fronte que é minha, prodigiosa

De núpcias e caminho

É tão diversa da tua fronte descuidada.



Tateio. E a um só tempo vivo

E vou morrendo. Entre terra e água

Meu existir anfíbio. Passeia

Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:

Noturno girassol. Rama secreta.

(...)



[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]

[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Branquinho da Fonseca 2



Mar Coalhado

Da janela olho o inverno,
sigo um fumo que sobe,
depois, descendo...penso:
há calor nesse lar,
felicidade, paz:
há distância do mundo...

Sonho a simplicidade
de ser alegre e feliz.
Que mundo tão diferente
o céu alumiaria!
Só queria o que tivesse,
só ia onde me levasse...

Navegando na paz
de só estar onde estava...
esquecendo que vim,
não me sonhando ir...
-Eu que fico onde passo...
e estou onde não irei...

Assim, sofrendo tudo,
ter mais é sofrer mais,
é quase já possuir
e ficar na ansiedade
de só faltar o nada
que sempre há-de faltar.

O meu reino é uma ilha
que o mar consome e isola;
terra que para mim
é demais e não chega.
Vou dá-la a um lavrador:
que aproveite a desgraça.

Nesta janela gelo,
rodeio-me de inverno,
estou no pólo do mundo
que fica lá para baixo
com muito sol que o aquece,
e gente que se alcança...

Olho-me em volta o gelo
que sinto quase em mim...
pendem-me os braços, mastros...
Sou um navio preso
que vai ser esmagado
se continua o inverno...

terça-feira, 18 de maio de 2010

Jeff Buckley - Hymne A L'amour



com a letra, esta regravação de Hymne a L'Amour, de Piaf, por Jeff Buckley...

If the sun should tumble from the sky
If the sea should suddenly run dry
If you love me, really love me
Let it happen darling, i don't care

Shall i catch a shooting star
Shall i bring it where you are
If you want me to, i will
You can set me any task
I'll do anything you ask
If you'll only love me still

When at last, our life on earth is through
I will spend eternity with you
If you love me, really love me
Let it happen darling, i won't care.


Song was originally sung by French singer Édith Piaf in 1949.

domingo, 16 de maio de 2010

Claudio Willer

Poética

"1
então é isso
quando achamos que vivemos estranhas experiências
a vida como um filme passando
ou faíscas saltando de um núcleo
não propriamente a experiência amorosa
porém aquilo que a precede
e que é ar
concretude carregada de tudo:
a cidade refluindo para sua hora noturna e todos
indo para casa ou então marcando encontros
improváveis e absurdos, burburinho da multidão
circulando pelo centro e pelos bairros enquanto as
lojas fechadas ainda estão iluminadas, os loucos
discursando pelas esquinas, a umidade da chuva
que ainda não passou, até mesmo a lembrança da
noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e mais nosso encontro na morna escuridão de um
bar – hora confessional, expondo as sucessivas
camadas do que tem a ver – onde a proximidade
dos corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e
carícia
TUDO GRAVADO NO AR
e não o fazemos por vontade própria porém
por atavismo


2
a sensação de estar aí mesmo
harmonia não necessariamente cósmica
plenitude muito pouco mística
porém mera proximidade
de aberrante experiência de viver
algo como o calor
sentido não demasiado longe de uma forja
(talvez devesse viajar, ou, melhor ainda, ser levado
pela viagem, carregar tudo junto, deixar-se conduzir
consigo mesmo)
ao penetrarmos no opalino aquário
(e isso tem a ver com estarmos juntos)
e sentirmos o mundo na temperatura do corpo
enquanto lá fora (longe, muito longe) é tudo outra coisa
então
o poema é despreocupação"

(do sítio klickescritores.com.br

sexta-feira, 14 de maio de 2010

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Anouar Brahem - Vague, E la nave va

Raul Bopp

Coco de Pagu


Pagu tem os olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-côco quando passa.
Coração pega a bater.


Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.


Passa e me puxa com os olhos
provocantissimamente.
Mexe-mexe bamboleia
pra mexer com toda a gente.


Eli Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.


Toda a gente fica olhando
o seu corpinho de vai-e-vem
umbilical e molengo
de não-sei-o-que-é-que-tem.


Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.


Quero porque te quero
Nas formas do bem-querer.
Querzinho de ficar junto
que é bom de fazer doer.


Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Paulo Leminski

Dois poemas:
1.

lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça

2.

já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma

morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Jan Garbarek & Anouar Brahem - Sebika!

Nina Rizzi

5 poemas e uma linha reta

variação de intermezzo: impressões da aurora


pintar meu corpoema

azul de laranja

então quem sabe

amanheser.



architextura



se faz favor, da próxima

quero mais que ternura:



me inventa em iminência.


outra variação


em causa de te sonhar

minha noite se fez dia

e me calcei de nuvens.



outra variação, outra


em te sonhar fiquei tão santa

que agora pra me comer

só de joelhos.



ripristino, o il suo lavoro


não, menina,

eu não vou fazer chover.



as tintas estão estiradas

e meu corpo branco esparramado:

ele vai me pintar.



(camponesa, cheiro, estrelas, girassóis?

— como ele quiser.)



sanguidolente


tenho dois homens ao meu lado. um me disputa com lembranças d'uma época em que só havia por comida xapati com açafrão e nossas ânsias; promessas d'um futuro.



o outro me vem com canções, essa sua carne que me quer poemas pra dentes.



há ainda um terceiro, o que me pega e tem, essa chuva. tardia chuva-súplica que não veio em dia de são josé. a chuva que me traz saudades de tudo que não vivi, símbolo desse homem que não está e me é. chuva-choro de mim. chuva-você que me cai, dono de todos os meus ais.



os dois primeiros me cospem, me rasgam. vão-me embora. fica o homem que me dói e gargalha.



mas não me restam autopiedades. é bom também doer. as cólicas hemorrágicas e as pedras na vesícula; o pedaço de ostra que me ficou por indolência no dedão do pé esquerdo; ter uma dezena de filhos de cócoras; não tomar drogas e ter os piores pesadelos.



dessa vida suicida, tudo: a morte lenta e dorida, a morte boa overdose de gozo. E os poemas impossíveis, que até chão seco dá semente.

Retirado do sítio: http://www.escritorassuicidas.com.br/edicao39_4.htm#ninarizzi39

terça-feira, 4 de maio de 2010

e.e.cummings

Aproveitando cena final de Brothers & Sister,:

by E. E. Cummings


there are so many tictoc
clocks everywhere telling people
what toctic time it is for
tictic instance five toc minutes toc
past six tic

Spring is not regulated and does
not get out of order nor do
its hands a little jerking move
over numbers slowly

we do not
wind it up it has no weights
springs wheels inside of
its slender self no indeed dear
nothing of the kind.

(So,when kiss Spring comes
we'll kiss each kiss other on kiss the kiss
lips because tic clocks toc don't make
a toctic difference
to kisskiss you and to
kiss me)