quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Florbela Espanca

Uma das favoritas da Marinha, né? Mas com toda razão....somente uma poeta de seu quilate para transformar "gritos de amor em astros que caem do colo", não é?

Mais ou menos uma política que quero estabelecer: quando ocorrer de um poema não ser o suficiente na página Um Poema por Dia, do FB, eu replico o autor aqui. Não há risco de OD!!

Nada não, só para mostrar que fui à China!!... kkk



Amar!!

Amar!Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

domingo, 19 de janeiro de 2014

Observando as coisas

Uma mandala para meditação, com objetivo de aprimorar a tolerância.
Como escreveu a Sophia, "suportar é o tempo mais longo", e morar no Rio de Janeiro tem estendido o tempo até os limites do suportável. Mas é preciso observar o que escreveu Gandhi, esse caminhante que tentou mudar o mundo através do pequeno gesto, em uma lição que parece esquecida: "Tolerância não significa aceitar o que se tolera."

Toda tolerância é uma concessão. O ideal é não ter de tolerar nada, não é prerrogativa aceitar o outro.
As pessoas não têm facilitado essa convivência, tenho de admitir, embora seja doloroso. Alguns pontos que a observação diária do outro dizem que o ser humano está atingindo um nível de degradação na nossa cidade que as esperanças de um futuro risonho, fraterno e feliz  são, a cada dia, mais distantes e impraticáveis:

1) Esforço não resulta, necessariamente, em algo bom, bonito, prático ou belo. Nada demais, deveriam pensar. "Eu me esforcei", pensam, e acham que é tudo, mas, tal como Ulisses, é a viagem entre o esforço e o destino que deveria contar. O resultado deveria ser apenas uma flâmula (!!!) na parede! E ai do incauto que não demonstra apreço, deslumbramento, regojizo ante o produto do esforço. Como se os céus tivessem prometido uma recompensa do reconhecimento alheio a cada migalha de esforço que foi feito! Um  horror! Além da pecha de ignorante que, automaticamente, é colada no ser discordante.
Fica, então, o alerta: frequentemente, mais do que seria desejável, os esforços pessoais dão em merda, isto mesmo, merda, algo imprestável, feio, bobo. Não é que não se reconheça o esforço, é o resultado que não interessa. Eu não vaio trabalho de ninguém, evito falar mal, mas também não me sinto na obrigação de gostar de tudo só porque vejo ali um "esforço".



2) A concordância tem de ser automática. Eventualmente, quando você não concorda com a exposição que vem sendo feita, ouve-se, clara e diretamente, como se você estivesse sendo apresentado a uma equação de terceiro grau em cambodiano: "Você não entende!" ou "Você não está entendendo". Não, gente, eu estou entendendo, é que eu não concordo mesmo.
Mas a concordância compulsória virou um "sine qua non" social, transforma em pária ou ser anti-social aquele que não demonstra um apreço automatizado às ideias um tanto quanto confusas da criatura. Já aconteceu com vocês? Comigo, é quase todo dia, inclusive na feira!

A discordância virou má educação, as pessoas se sentem rejeitadas ou agredidas, já repararam? Façam um exercício diário e depois me contem!

São apenas dois tópicos, eu tinha listado seis deles, vou deixar para um post novo, quem sabe? Os dois acima já servem de um exercício de convivência, procure ver no seu cotidiano o tanto que você exige de quem está à sua volta, o quanto o mundo tem de ser distorcido para que se encaixe nos padrões que  julgam ideais.

Porém, nunca perca de vista o ensinamento de Jean Rostand,  de que ter um espírito aberto não significa tê-lo escancarado para todo tipo de bobagem. Critério e bom senso sempre prevalecem. Ou deveriam...


Sophia de Mello Breyner Andresen


Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que eu quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o teu reino antes do tempo venha.
E se derrame sobre a Terra
Em primavera feroz precipitado.


Sophia de Mello Breyner Andresen


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Clarice Lispector

Meio batido, é? Mas fala do que eu falei na minha mensagem de final de ano, com o charme que me falta. Não custa lembrar: é sempre bom lembrar!


Aprendendo a Viver

Thoreau era um filósofo americano que, entre coisas mais difíceis de se assimilar assim de repente, numa leitura de jornal, escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado.

Thoreau, por exemplo, desolava-se vendo seus vizinhos só pouparem e economizarem para um futuro longínquo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas «melhore o momento presente», exclamava. E acrescentava: «Estamos vivos agora.» E comentava com desgosto: «Eles ficam juntando tesouros que as traças e a ferrugem irão roer e os ladrões roubar.»
A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.

Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há momentos na vida que o arrependimento de não ter tido ou não ter sido ou não ter resolvido ou não ter aceito, há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda.
Ele queria que fizéssemos agora o que queremos fazer. A vida inteira Thoreau pregou e praticou a necessidade de fazer agora o que é mais importante para cada um de nós.
Por exemplo: para os jovens que queriam tornar-se escritores mas que contemporizavam — ou esperando uma inspiração ou se dizendo que não tinham tempo por causa de estudos ou trabalhos — ele mandava ir agora para o quarto e começar a escrever.
Impacientava-se também com os que gastam tanto tempo estudando a vida que nunca chegam a viver. «É só quando esquecemos todos os nossos conhecimentos que começamos a saber.»
E dizia esta coisa forte que nos enche de coragem: «Por que não deixamos penetrar a torrente, abrimos os portões e pomos em movimento toda a nossa engrenagem?» Só em pensar em seguir o seu conselho, sinto uma corrente de vitalidade percorrer-me o sangue. Agora, meus amigos, está sendo neste próprio instante.

Thoreau achava que o medo era a causa da ruína dos nossos momentos presentes. E também as assustadoras opiniões que nós temos de nós mesmos. Dizia ele: «A opinião pública é uma tirana débil, se comparada à opinião que temos de nós mesmos.» É verdade: mesmo as pessoas cheias de segurança aparente julgam-se tão mal que no fundo estão alarmadas. E isso, na opinião de Thoreau, é grave, pois «o que um homem pensa a respeito de si mesmo determina, ou melhor, revela seu destino».

E, por mais inesperado que isso seja, ele dizia: tenha pena de si mesmo. Isso quando se levava uma vida de desespero passivo. Ele então aconselhava um pouco menos de dureza para com eles próprios. O medo faz, segundo ele, ter-se uma covardia desnecessária. Nesse caso devia-se abrandar o julgamento de si próprio. «Creio», escreveu, «que podemos confiar em nós mesmos muito mais do que confiamos. A natureza adapta-se tão bem à nossa fraqueza quanto à nossa força.» E repetia mil vezes aos que complicavam inutilmente as coisas — e quem de nós não faz isso? —, como eu ia dizendo, ele quase gritava com quem complicava as coisas: simplifique! simplifique!

Clarice Lispector, in Crónicas no 'Jornal do Brasil (1968)