sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Eucanaã Ferraz

A COSTUREIRA
Para Danielle Jensen

Ouve o tecido, pousa
o ouvido, ouve com os olhos.
À fibra e ao feixe interroga

sobre o que se entrelaçara,
distinguindo a linha, o intervalo,
o vão, o entreato, atenta

para o que na fala geométrica
e repetida dos fios é um outro
vazio: o de antes da trama, ato

anterior ao enredo; óculos
postos para a escuta, a escuta
desfia-se no vento, o olho

flutua, folha, flor, agulha;
fecha os olhos; ouve
com as pontas dos dedos;

indaga do tecido o modo,
os limites, a função, a oficina,
a forma que ele quer ter,

a coisa, a casa que ele quer ser; e
costura como quem à mão e
à máquina descosturasse

o dicionário,
rasgando em moles móbiles
seus hábitos, o vinco de sua farda.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

John Donne




A Assírio & Alvim de Portugal tem edições superlegais(olha a reforma aí, gente!), quase sempre em edição bilíngue. Em Lisboa, encontrei esta edição de Elegias Amorosas, de J Donne, com tradução de Helena Barbas. A elegia que segue é a Outonal. Vai no original, a tradução, só a pedidos.

Elegy IX - The Autumnal

No Spring not Summer beauty has such grace
As I have seen in one Autumnal face.
Young beauties force our love, and that's a rape
This doth but counsel, yet you cannot scape.

If it were a shame to love, here it were no shame;
Affection here takes reverence name.
Were her first years the Golden Age? That's true,
but now she's gold often tried and ever new.
That was here torrid and inflaming time,
this is her tolerable tropic clime.

Fair eyes, who asks more heat than comes from hence,
he in a fever wishes pestilence.
Call not these wrinkles, graves; it graves they were,
they were Love's graves, for else he is no where.

Yet lies not love dead here, but here doth sit
vowed to this trench, like an anachorit;
and here till hers, which must be his death, come,
he doth not dig a grave, but built a tomb.
Here dwells he, though he sojourn everywhere
in Progress, yet his standing house is here.
Here, where still evening is, not noon nor night,
where no voluptuousness, yet all delight.
In all her words, unto all hearers fit,
you may at Revels, you at Council, sit.

This is Love's limbner, youth his underwood;
There he,as wine in June, enrages blood,
which then comes seasonbliest, when our taste
and appetite to other things, is past.
Xerxe's strange Lydian love, the Platan tree,
was loved for age, none being so large as she,
or else because, being young, nature did bless
her youth with age's glory, Barrenness.
If we love things long sought, Age is a thing
which we are fifty years in compassing.
If transitory things, which soon decay,
Age must be loveliest at the latest day.
But name nor Winter faces, whose skin's slack,
lank as an unthrift's purse; but a soul's sack;
whose Eyes seek light within, for all here's shade;
whose mouths are holes, rather worn out than made;
whose every tooth to a several place is gone,
to vex their souls at Resurrection;
Name not these living Death's-heads unto me,
for these, not ancient, but antique be.

I hate extremes; yet I had rather stay
with tombs, than cradles, to wear out a day.
Since such love's natural lation is, may still
my love descend, and journey down the hill,
not panting after growing beauties, so,
I shall ebb on with them who homeward go.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Adelaide do Julinho

POEMAS


consciência
ecológica


impossível fechar as pernas
e matar a borboleta que
voa voa voa entre elas



floral


um antúrio muito rijo pedindo
abrigo em um vaso úmido:
tempo de poda.



aurora


de quatro
papaimamãe
chupeta

oh! que saudades que tenho
da minha infância querida



mais em bashô

o sapo salta
perereca bate palmas
aguaçal na mata



hipnose

é sempre assim:
ele põe o pinto pra fora
eu fico fora de mim



em riste

para jão filho

a sua cabeça dura:
valente-inclemente-entremetente:
só pode com ela o meu hímen complacente

Faz parte do grupo Escritoras Suicidas. Um tantico over, mas acho legal. Morno não rola.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Micheliny Verunschk

Ah! Essa gente nova, cultivada...jardineiras de belezas...

(do livro inédito A Cartografia da Noite)



Tróia

Toda saudade
repousa nas palavras,
tem cheiro de pinho
e ossos muito brancos.
Toda saudade:
velas arreadas
dos mastros dos batéis,
última visão da chama apagando,
canção de helenas nuas
perdida nos lábios de Ílion.
Em tudo,
o teu nome de pedra,
Saudade,
cadela morta.



A Barata

A barata
tensa
atônita
atenta
frente a folha
pegajosa do poema.
Um calafrio quase
na carapaça dura
e o poema agridoce
acenando
acendendo
dentro da madrugada escura.

O dia nasce
parindo um novo solstício
e ela, impressa,
presa no poema-suícidio.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Sándor Márai



Depois da viagem a Buda e Peste, fico imaginando como não seria ler no original os livros de Sándor Márai. Li e guardei O legado de Ezster, de 2001, e estou lendo Brasas. Lá, pode-se ler, entre outras maravilhas: "Naquela relação, cheia de ternura, seriedade e dedicação, havia alguma coisa de fatal, de tão luminoso a ponto de desencorajar qualquer sarcasmo. Relações deste tipo provocam um sentimento de inveja em todas as comunidades humana. Não há nada que os homens desejem tão ardentemente como uma amizade desinteressada. Mas é um desejo sem esperança."



E a definição de muita gente que transita por aí:"...irradiava um calor semelhante à bondade das pessoas gordas e indolentes que procuram atenuar seu egoísmo com alguma boa ação pouco trabalhosa."

Recomendo, muito, muitíssimo....Obrigado, Mariette!!!

Merenda



A merenda aquecia ao sol da tarde.
Cheiro de rosca,
doce de abacaxi,
goiabada em tabuleiros de madeira.
“Vezinho, vem lanchar!”
E eu ia...
como ainda vou,
atrás de qualquer carinho.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Bruna Berber

É uma ofensa, com 23 anos escrever desta fora. Calma, seu livro "A fila sem fim dos demônios descontentes" (7 Letras) está esgotadíssimo, mas o próximo "Balés" está para sair, dizem. Esperar é torturar seus desejos...


anéis

quero alegria pro poema
mas os versos saem em mi

tento decorar as penas
estão desbotadas

todas as cores
vejo em preto e branco

canto para esquecer
a grande confusão das coisas simples

não sei de que material seco são feitas
as perdas.


broches


aproxima-se o desconhecido
e junto dele a gritaria
dos grandes começos

ainda não sabe dizer
com quantas rouquidões
se faz um recuo

por isso o silêncio e a tosse
infalível técnica
de disfarces.


brincos

o medo amarela
os dentes corrói
todas as tentativas
de nomeá-lo

nada nos assegura
nem ninguém poderá
nos defender: estamos vivos

e se do paraíso estamos longe
cada vez mais longe quero viver
distante, muito distante
do que só é possível no papel.

Marília Garcia

20 poemas para o seu walkman (este artigo definido aí...)me acompanhou por semanas, indo e vindo para o trabalho, passeios... Na verdade, era meu walkman...Música para os ouvidos.Lá, pode-se ler:

Le pays n'est pas la carte,


pensa bem, mas
se tivesse as ruas quadradas
teria ido a outro café, teria dito tudo de
outro modo e visto de
cima a ccidade em vez de se
perder toda vez
na saída do metrô, não é desagradável
estar aqui, é apenas
demasiado real diz com os cílios erguidos
procurando um mapa

II
não é o avião rasante sobre
a água e nem o corpo
na janela semi-aberta
vendo o desenho
dos carros embaixo - não comenta nada
porque prefere armar planos
em silêncio
(estaria sonhando
com colinas?)

III
de lá manda longas
cartas descrevendo o país,
os terremotos e a forma da cidade.
pode me dizer que nunca se
espanta mas não percebe que
caminha perguntando:
é de plástico a cabine? é sua voz
na gravação? é um navio no
horizonte? pode ser apenas
uma margem de erro mas
não pensa nisso
com freqüência

(pode ser apenas a janela
aberta que carrega os papéis)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Mônica de Aquino



Ser mínima.

Cortar cabelo
unha pele
mas sem o cálculo da cutícula.

Despir-me de tudo
o que não dói.

Ultrapassar toda a carne
e roer osso –
canina –
roer o rabo.

Roer, ainda,
os próprios dentes
agudos
rentes

sábado, 11 de outubro de 2008

AH!A Liberdade...

Freedom


he drank wine all night of the
28th, and he kept thinking of her:
the way she walked and talked and loved
the way she told him things that seemed true
but were not, and he knew the color of each
of her dresses
and her shoes-he knew the stock and curve of
each heel
as well as the leg shaped by it.

and she was out again and when he came home,and
she'd come back with that special stink again,
and she did
she came in at 3 a.m in the morning
filthy like a dung eating swine
and
he took out a butchers knife
and she screamed
backing into the rooming house wall
still pretty somehow
in spite of love's reek
and he finished the glass of wine.

that yellow dress
his favorite
and she screamed again.

and he took up the knife
and unhooked his belt
and tore away the cloth before her
and cut off his balls.

and carried them in his hands
like apricots
and flushed them down the
toilet bowl
and she kept screaming
as the room became red

GOD O GOD!
WHAT HAVE YOU DONE?

and he sat there holding 3 towels
between his legs
no caring now whether she left or
stayed
wore yellow or green or
anything at all.


and one hand holding and one hand
lifting he poured
another wine

Charles Bukowski

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Sophia Breyner

Paixão é assim, precisamos cada vez mais do mesmo,para que continue sendo diferente....

No quarto

No quarto roemos o sabor da fome
A nossa imaginação divaga entre paredes brancas
Abertas como grandes páginas lisas
O nosso pensamento erra sem descanso pelos mapas
A nossa vida é como um vestido que não cresceu conosco

AH! Sofia!!!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Gabeira




Pode ser desperdício, mas meu voto é dele. Mais não fosse, a foto do Globo me convenceu que é preciso mudar, tudo (ou quase) o que for possível. A começar por nõs mesmos.... coragem!!!

A foto acima mudou cabeças, abriu olhos e, como disse o Pablo: "nela´(tanga) não cabem dólares". É isto, precisamos de alguém desnudo, sem bolsos de mágico ou de ladrão!!!

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Kazantzakis




Considerado o maior romancista grego do século XX, era também poeta, dramaturgo e tradutor. Seu livro ASCESE- Os Salvadores de Deus tem uma edição da Atica em tradução do José Paulo Paes que precisa ser relançada.

Lá, pode-se ler:

"...Tudo quanto vejo, sinto, provo, cheiro e toco são invenções de minha mente.
O sol nasce e se põe dentro do meu crânio. Numa de minhas têmporas, desponta, na outra se deita.
...
"Só eu existo,!" grita a Mente. Nos meus subterrâneos cinco tecelões tecem e destecem o tempo e o espaço, a alegria e o pesar, a matéria e o espírito.
Tudo flui à minha volta como um rio; tudo dança e gira; os rostos rolam como água, estruge o caos.
Sou o artífice do abismo. Sou o espectdor dele. Sou a teoria e a prática. A lei. Fora de mim, não existe nada."

(Foto: Trabalho de Fabienne Verdier)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Hotel Particulier


A "The Pocket Poets Series" da City Lights Books de São Francisco tem edições ótimas de poetas idem. Este poema é de Frank O'Hara, nova-iorquino, chamado de "poeta pintor", e foi retirado do volume 19 da coleção. A menção ao Brasil é insondável...

Hotel Particulier

How exciting it is
not to be at Port Lligat

or learning Portuguese in Bilbao so you can go to Brazil.
Erik Satie made a great mistake learning Latin

The Brise Marine wasn't written in Sanskrit, baby

I had a teacher one whole summer who never told me
anything and it was wonderful

and then there is the Bibliotéque Nationale, cuspidors, glasses, anxiety
you don't get crabs that way,
and what you don't know will hurt somebody else

how clear the air is, how low the moon, how flat the sun, et cetera
just so you don't coin a phrase that changes can be "rung" on

like the neiges d'antan
and that sort of thing (oops!) , (roll me over)!

ist his the hostel where the lazy and fun-loving
start up the mountain?

(1960)

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Antonio Cícero




L'avenir

Soulevons la paille
regardons la neige
écrivons des lettres
attendons des ordres

Fumons la pipe
en songeant à l'amour
les gabions sont là
regardons la rose

La fontaine n'a pas tari
pas plus que l'or de la paille ne s'est terni
regardons l'abeille
et ne songeons pas à l'avenir

Regardons nos mains
qui sont la neige
la rose et l'abeille
ainsi que l'avenir

O futuro

Levantar a palha
contemplar a neve
escrever as cartas
aguardar as ordens

Fumar o cachimbo
sonhar com o amor
eis aí os cestões
contemplar a rosa

A fonte não secou
e o ouro da palha não desbotou
olhar a abelha
e nem pensar no futuro

Olhar nossas mãos
que são a neve
a rosa e a abelha
além do futuro

Retirado do blog do Antonio Cícero, em 30/09/08.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Palavras...




Quantas palavras já não foram escritas para definir o que acontece nesta foto?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Volta

Após mais de um mês sabático (leia-se falta de paciência), volto a escrever aqui. Pretendo alguma mudança de estilo, aproach, sei lá...vamos ver.