sexta-feira, 30 de abril de 2010

Chacal

a palavra e o corpo

a palavra mora no papel
com vírgulas hífens crases reticências
leva uma vida reclusa de carmelita descalça

o corpo aprende a ler na rua
com manchetes de jornais
jogadas na cara pelo vento
com gírias palavrões
zoando no ouvido
com gritos sussurros
impressos na pele
o corpo sabe letras com gosto
de carne osso unha e gente

o corpo lê estrelas
o corpo conhece os sinais
o corpo não mente
o corpo quer sair do sufoco
o corpo quer dizer o que sabe
o corpo sabe
o corpo quer
o corpo diz:
- falapalavra !!!


publicado em " a vida é curta pra ser pequena" (2002)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Octavio Paz

El Ausente

Dios insaciable que mi insomnio alimenta;
Dios sediento que refrescas tu eterna sed en mis lágrimas,
Dios vacío que golpeas mi pecho con un puño de piedra, con un puño de humo,
Dios que me deshabitas,
Dios desierto, peña que mi súplica baña,
Dios que al silencio del hombre que pregunta contestas com un silencio más grande,
Dios hueco, Dios de nada, mi Dios:
sangre, tu sangre, la sangre, me guía.
La sangre de la tierra,
la de los animales y la del vegetal somnoliento,
la sangre petrificada de los minerales
y la del fuego que dormita en la tierra,
tu sangre,
la del vino frenético que canta en primavera,
Dios esbelto y solar,
Dios de ressurrección,
estrella hiriente,
insomne flauta que alza su dulce llama entre sombras caídas,
oh Dios que en las fiestas convocas a las mujeres delirantes
y haces girar sus vientres planetarios y sus nalgas salvajes,
los pechos inmóviles y eléctricos,
atravesando el universo enloquecido y desnudo
y la sedienta extensión de la noche desplomada.
Sangre,
sangre que todavía te mancha con resplandores bárbaros,
la sangre derramada en la noche del sacrificio,
la de los inocentes y la de los impíos,
la de tus enemigos y la de tus justos,
la sangre tuya, la de tu sacrificio.



I I
Por ti asciendo, desciendo,
a través de mi estirpe,
hasta el pozo del polvo
donde mi semen se deshace en otros,
más antíguos, sin nombre,
ciegos ríos por llanos de ceniza.
Te he buscado, te busco,
en la árida vigilia, escarabajo
de la razón giratoria:
en los sueños henchidos de presagios equívocos
y en los torrentes negros que el delirio desata:
el pensamiento es una espada
que ilumina y destruye
y luego del relámpago no hay nada
sino un correr por el sinfín
y encontrarse uno mismo frente al muro.
Te he buscado, te busco,
en la cólera pura de los desesperados,
allí donde los hombres se juntan para morir sin ti,
entre una maldición y una flor degollada.
No, no estabas en ese rostro roto en mil rostros iguales.
e he buscado, te busco,
entre los restos de la noche en ruinas,
en los despojos de la luz que deserta,
en el niño mendigo que sueña en el asfalto con arena e olas,
junto a perros nocturnos,
rostros de niebla y cuchillada
y desiertas pisadas de tacones sonámbulos.
En mí te busco: ¿eres
mi rostro en el momento de borrarse,
mi nombre que, al decirlo, se dispersa,
eres mi desvanecimiento?



I I I
Viva palabra obscura,
palabra del principio,
principio sin palabra,
piedra y piedra, sequía,
verdor súbito,
fuego que no se acaba,
agua que brilla en una cueva:
no existes, pero vives,
en nuestra angustia habitas,
en el fondo vacío del instante
— oh aburrimiento —,
en el trabajo y el sudor, su fruto,
en el sueño que engendra y el muro que prohibe.
Dios vacío, Dios sordo, Dios mío,
lágrima nuestra, blasfemia,
palabra y silencio del hombre,
signo del llanto, cifra de sangre,
forma terrible de la nada,
araña del miedo,
reverso del tiempo,
gracia del mundo, secreto indecible,
muestra tu faz que aniquila,
que al polvo voy, al fuego impuro.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Glauco Matoso

Fez parte de uma turma "maldita",do qual era um dos expoentes. Física e literariamente, provocava tudo e a todos, principalmente pela explicitação de seus anseios sexuais um tanto fora do beaten path.

Soneto Culatra

Em meio à escuridão, sou telepata.
Alguém do além no sonho me contata.

Me avisam que o invejoso me deseja
terríveis coisas, dores e doença.
Fracasso meu é prece em sua igreja.

Até parece que hoje sou feliz,
indiferente ao fato da cegueira.
Será que quem quer ver minha caveira
não sabe quantos fazem o que fiz?

Coitado, é inútil! Onde quer que esteja,
verá que o malefício não compensa,
terá seu mal de volta na bandeja.

Serei poupado, enquanto, em breve data,
que a mesma praga sobre ele se abata!!

domingo, 18 de abril de 2010

Boi da Paciência



........................Boi da Paciência

Noite dos limites e das esquinas nos ombros
noite por demais aguentada com filosofia a mais
que faz o boi da paciência aqui?
que fazemos nós aqui?
este espetáculo que não vem anunciado
todos os dias cumprido com as leis do diabo
todos os dias metido pelos olhos adentro
numa evidência que nos cega
até quando?
Era tempo de começar a fazer qualquer coisa
os meus nervos estão presos na encruzilhada
e o meu corpo não é mais que uma cela ambulante
e a minha vida não é mais que um teorema
por demais sabido!

Na pobreza do meu caderno
como inscrever este ceu que suspeito
como amortecer um pouco a vertigem desta órbita
e todos o entusiasmo destas mãos de universo
cuja carícia é um deslizar de estrelas?
Há uma casa que me espera
para uma festa de irmãos
há toda esta noite a negar que me esperam
e estes rostos de insônia
e o martelar opaco num juro de papel
e o arranhar persistente duma pena implacável
e a surpresa subornada pela rotina
e o muro destrutível destruindo as nossas vidas
e o marcar passo à frente deste muro
e a força que fazemos no silêncio para derrubar o muro
até quando?até quando?

Teoricamente livre para navegar entre estrelas
minha vida tem limites assassinos
Supliquei a meus companheiros: Mas fuzilem-me!
Inventei um deus só para que me matasse
Muralhei-me de amor
e o amor desabrigou-me
Escrevi cartas a minha mãe desesperadas
colori mitos e distribuí-me em segredo
e ao fim e ao cabo
recomeçar
Mas estou cansado de recomeçar!
Quereria gritar: Dêem-me árvores para um novo recomeço!
Aproximem-me a natureza até que a cheire!
Desertem-me este quarto onde me perco!
Deixem-me livre por um momento em qualquer parte
para uma meditação mais natural e fecunda
que me limpe o sangue!
Recomeçar!
Mas originalmente com uma nova respiração
que me limpe o sangue deste polvo de detritos
que eu sinta os pulmões como duas velas pandas
e que eu diga em nome dos mortos e dos vivos
em nome do sofrimento e da felicidade
em nome dos animais e dos utensílios criadores
em nome de todas as vidas sacrificadas
em nome dos sonhos
em nome das colheitas em nome das raízes
em nome dos países em nome das crianças
em nome da paz
que a vida vale a pena que ela é a nossa medida
que a vida é uma vitória que se constrói todos os dias
que o reino da bondade dos olhos dos poetas
vai começar na terra sobre o horror e a miséria
que o nosso coração se deve engrandecer
por ser tamanho de todas a s esperanças
e tão claro como os olhos das crianças
e tão pequenino que uma delas possa brincar com ele

Mas o homenzinho diário recomeça
no seu giro de desencontros
A fadiga substituiu-lhe o coração
As cores da inércia giram-lhe nos olhos
Um quarto de aluguel
como preservar este amor
ostentando-o na sombra?
Somos colegas forçados
Os mais simples são os melhores
nos seus limites conservam a humanidade
Mas este sedento lúcido e implacável
familiar do absurdo que o envolve
com uma vida de relógio a funcionar
e um mapa da terra com rios verdadeiros
correndo-lhe na cabeça
como poderá suportar viver na contenção total
na recusa permanente a este absurdo vivo?

Ó boi da paciência, que fazes tu aqui?
Quis tornar-te amável ser teu familiar
fabriquei projetos com teus cornos
lambi teu focinho e acariciei-te em vão

A tua marcha lenta enerva-me e satura-me
As constelações são mais rápidas nos céus
a terra gira com um ritmo mais verde que o teu passo
Lá fora os homens caminham realmente
Há tanta coisa que eu ignoro
e é tão irremediável este tempo perdido!
Ó boi da paciência, sê meu amigo!!

(do livro Viagem através de uma nebulosa)





Poema de António Ramos Rosa, de Portugal

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Ferreira Gular

Foi uma descoberta. O livro Poema Sujo - Dentro da Noite Veloz me fez ver que eu gostava mesmo era de poesia e a partir daí assumi sem vergonha esse amor. Sabia (e sei) alguma coisa de cor, de tão lido e ainda tenho a primeira edição que eu carreguei para todo lado.

A Bela Adormecida

Onde ela dorme
não há lugar senão
o que o sono faz

a grama não é:
cresce perene e azul
rente a seus pés

os pássaros cantam
-é a antiga flor que volta
das vasilhas do pó

e nem move os lábios
dessa que dorme
fora da esperança

E a flora suicida
vai dançando em volta
seus fachos mortais
                                    (22/06/55)





sábado, 10 de abril de 2010

José Gonzales

Um cover do Love Will tear us apart, do Joy Division... o original e depois, a versão.

Joy Division

Joy Division


When routine bites hard,And ambitions are low,
And resentment rides high,But emotions won't grow,
And we're changing our ways,
Taking different roads.
Then love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.

Why is the bedroom so cold?
You've turned away on your side.
Is my timing that flawed?
Our respect runs so dry.Yet there's still this appeal
That we've kept through our lives.
But love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.

You cry out in your sleep.
All my failings exposed.
And there's a taste in my mouth,
As desperation takes hold.
Just that something so good
Just can't function no more.

But love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Dilúvio...de mentiras




Para variar, a situação do Rio de Janeiro ficou difícil para quem não curte benesses da vida afluente (e até para alguns desses a vida não sorriu nesta segunda). O mais triste é ver nossos políticos, com um semblante consternado, dizer que lamentam muito...pior ainda são os comentários de que as tragédias aconteceram devido aos hábitos pouco higiênicos da população fluminense. Ah! quando é que votaremos com a seriedade que o ato em si requer... Este ano teremos eleições, que tal refletirmos um pouco antes de pensar em voto nulo?

terça-feira, 6 de abril de 2010

Lembrança

Nestes tempos de ruidosas manifestações a respeito do papel da mídia pelo Molusco Mor e seus asseclas, é sempre bom lembrar a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que inspirou a nossa tão idolatrada, salve, salve, Constituição de 88:

"O congresso não deve fazer leis a respeito de se estabelecer uma religião, ou proibir o seu livre exercício; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou sobre o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações por ofensas."

Taí, simples assim.

domingo, 4 de abril de 2010

Ruben Dario



Que o Alberto não me leia, mas estou apaixonado pelo Ruben Dario, o poeta nicaraguense, autor de Prosas profanas y otros poemas. A cada página uma beleza que nos prende e nos pede tempo para admirá-la em sua totalidade.

Ama tu ritmo

Ama tu ritmo y ritma tus acciones
bajo su ley, así como tu versos;
eres un universo de universos
y tu alma una fuente de canciones.

La celeste unidad que presupones
hará brotar em ti mundos diversos,
y al resonar tus números dispersos
pitagoriza en tus constelaciones.

Escucha la retórica divina
del pájaro del aire y la nocturna
irradiación geométrica adivina;

mata la indiferença taciturna
y engarza perla y perla cristalina
en donde la verdad vuelca su urna.

(a referência a Pitágoras é explicada no livro: ele concebia o número como a categoria central e ordenadora do cosmo, e predicava a Harmonia como a lei do Universo e norma de vida).

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Antologia dos Poetas Brasileiros

Edição em cinco volumes (falta-me o quarto, Poesia da Fase Moderna, volume I, alguém tem?), com organização de Manuel Bandeira (tomara que os herdeiros não me cobrem pelo uso do nome aqui!!ô raça!!!), e, nos modernos, co-elaboração de Walmir Ayala. Editada pelo Nova Fronteira, já era hora de uma nova edição, caprichada, essas coisas... esperar não cansa. Gosto muito do volume Bissextos Contemporâneos, pelas razões que justificam o nome.Nele, pode-se ler, de Euclides da Cunha:

Morrem os mundos... silenciosa e escura,
eterna noite cinge-os. Mudas, frias,
Nas luminosas solidões da altura
rguem-se, assim, necrópoles sombrias...
Mas, para nós, di-lo a ciência, além perdura
a vida, e expande as rútilas magias...
Pelos séculos em fora a luz fulgura
Traçando-lhes as órbitas vazias.

Meus ideais! extinta claridade -
mortos, rompeis, fantásticos e insanos,
da minha alma a revolta imensidade...

E sois ainda todos os enganos
e toda a luz e toda a mocidade
desta velhice trágica aos vinte anos...


Se acaso uma alma se fotografasse
de sorte que, nos mesmos negativos,
a mesma luz pusesse em traços vivos
o nosso coração e a nossa face;

e os nossos ideais, e os mais cativos
de nossos sonhos... se a emoção que nasce
em nós, também na chapa se gravasse,
mesmo em ligeiros traços fugidios:

Amigo, tu terias com certeza
a mais completa e insólita surpresa
notando - deste grupo bem no meio -

que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
destes sujeitos é precisamente
o mais triste, o mais pálido, o mais feio.

quinta-feira, 1 de abril de 2010