segunda-feira, 10 de março de 2008

Lamento do oficial por seu cavalo morto





Nós merecemos a morte,porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável,
pelas ordens que trazemos por dentro,
e ficam sem explicação.
Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices,
e que pecados de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!
E aqui morreste!
Oh, tua morte é a minha, que, enganada,recebes.
Não te queixas.
Não pensas.
Não sabes.
Indigno,ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo dos homens?
Aprendias a vida, plácida e pura,
e entrelaçada em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...
Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...
Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!

(Cecília Meireles, in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)

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