domingo, 3 de novembro de 2013

Poesia russa

Marina Tzvietáieva

A Carta

Assim não se esperam cartas.
Assim se espera - a carta
Pedaço de papel
com uma borda
de cola. Dentro - uma palavra
Apenas. Isso é tudo.

Assim não se espera o bem.
Assim se espera - o fim:
Salva de soldados,
No peito - três quartos
De chumbo. Céu Vermelho.
É só. Isso é tudo.

Felicidade? E a idade?
A flor - floriu.
Quadrado do pátio:
bocas de fuzil.

(Quadrado da carta:
Tinta, tanto!)
Para o sono da morte
viver é o bastante!!

Quadrado da carta.

Como vcs já notaram, sou fã da poesia russa!Uma coisa, um poder de concisão, um derramamento de paixões que fazem a cabeça dar voltas. Tzvietáieva teve uma vida que nem Shakeaspere ousaria imaginar: paixões, sumiços, morte de filhos por inanição (fome, gente!), campos de recuperação do stanilismo, uma vida amorosa movimentada, Pasternak (de Dr Zhivago) pensou em se separar para ir viver com ela. Mas uma vida atribulada não faz uma poesia de talento, não é verdade? Senão teríamos muito mais gente capaz de escrever: "Porém, enquanto houver saliva/Todo o país está em armas!" (a respeito da invasão da Tchecoslováquia).
Não ouvimos falar muito dela, pela razão mais óbvia: ela não se perfilou com o movimento de esquerda que deu sustentação a Stalin. Era a morte. Foi a morte: matou-se! Russa não fosse....

O poema acima foi traduzido por Augusto de Campos, um dos Campos Brothers, que eram gênios, compostos unicamente de cérebro! O livro é o Poesia da recusa, uma lindeza, que recomendo, e olhem que eu não costumo recomendar livros aqui.


Na página do FB (UM poema por dia) postei o poema acima e queria postar este outro. As regras da página não permitem, então apelo para o blog...rs.

Tentativa de ciúme

Como vai você com a outra?
Fácil, não é - Um golpe de remo!!-
E de pronto a linha da costa
Se foi e você já em se lembra

De mim, ilha flutuante.
(No céu, por certo, não no mar)!
Almas!Almas! - antes amar
como irmãs, não como amantes!!

Como vai você com a mulher
Comum? Sem nada de divino?
Sem soberana, sem sequer 
Um trono (você foi o assassino).

Como vai, meu bem?Tudo a gosto?
E o dia a dia - sempre igual?
Como você se arranja com o imposto
Da banalidade imortal?

"Mil sobressaltos, incertezas-
Basta!!Vou arrumar um teto!"
Como vai, com quem quer que seja -
O eleito pelo meu afeto?

A comida é melhor, mais familiar?
Diga a verdade. Como vai 
Você com a imitação vulgar - 
Você, que subiu o Sinai?

Como é viver com uma estranha?
Você a ama? Nâo disfarce!
O chicote de Zeus da vergonha
Nenhuma vez lhe zurze a face?

E a saúde, vai bem? Que tal
A vida - uma canção? A ferida
da Consciência imortal
como a suporta, meu querido?

Como vai você com o adereço
de feira? A taxa é muito cara?
Como é aspirar o pó de gesso
Depois do mármor de Carrara?

(Deus talhado em barro, termina
em pedaços) Como é o convíveo
com a milionésima da fila
Para quem já conheceu Lilith?

As novidades da feira
Se acabaram? Farto de portentos,
Como é a vida corriqueira
Com a mulher terrena, sem sexto

Sentido?
Vamos, tudo cor de rosa? Ou não?Aí, nesse oco
sem fundo, amor, como vai? Pior ou
igual a mim com o outro?

em Poesia da Recusa, p; 156 trad. de Augusto de Campos

Perdoem-me as senhoras presentes, mas PQP!!!! Chamar a "outra" de adereço de feira, compará-la com gesso, sendo mármore de Carrara, não dá!!


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