domingo, 17 de janeiro de 2010

Nuno Rocha Morais



RETRATO


Nuno Morais é um projecto
No bico partido de um lápis
Quando já ninguém pega num lápis.
Nuno Morais é uma farpa feroz
Na pele de alguém que se chama Nuno Morais.
Nuno Morais é a náusea de alguém
que se chama, coitado, Nuno Morais,
E como a náusea está na moda, e é tão moderna.
Desde pequeno, Nuno Morais acalenta o sonho
De ser uma fruteira como havia numa sala da sua infância,
Pela apurada calma dos frutos no seu regaço,
Mas, estando o intento em vias de se gorar-
A sua alma de aviário parece-lhe
Uma mesa de vidro, baça de tantos riscos-,
Nuno Morais pretende ser um quadrado
Porque ouviu qualquer coisa de Aristóteles
sobre a bondade dos quadrados.
Nuno Morais é inverosimilmente indigesto,
Mas será comido hoje, como de resto foi ontem,
Pelo corpo de um tal Nuno Morais.
Os ossos de Nuno Morais não servirão sequer de aviso,
Nem de semente, nem de matéria
Para qualquer outra estrutura atómica.
Com sorte, a mentira de que é
A carcaça fétida e simpática
Teria o privilégio de ser as fezes dos abutres
Pouco exigentes, não se desse o facto
De até para eles ser indigesto
E, de qualquer modo, é tão difícil encontrá-los,
E mais difícil ainda é encontrar um bom abutre.
Nuno Morais tem a pretensão de ser
A primeira coisa na Natureza que se perde,
O que mostra bem a sua soberba.
Se também nisto falhar, Nuno Morais
Gostará mais de pensar que foi apenas um boato.

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