quinta-feira, 11 de outubro de 2012

António Ramos Rosa



                                Antônio Ramos Rosa

À noite trocou-me os sonhos e as mãos 
dispersou-me os amigos 
tenho o coração confundido e a rua é estreita 
estreita em cada passo 
as casas engolem-nos 
sumimo-nos 
estou num quarto só num quarto só 
com os sonhos trocados 
com tôda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
 
um funcionário triste 
a minha alma não acompanha a minha mão 
Débito e Crédito Débito e Crédito 
a minha alma não dança com os números 
tento escondê-la envergonhado 
o chefe apanhou-me com o ôlho lírico na gaiola do quintal em frente 
e debitou-me na minha conta de empregado 
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar 
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever? 
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço? 
Soletro velhas palavras generosas 
Flor rapariga amigo menino 
irmão beijo namorada 
mãe estrêla música 
São as palavras cruzadas do meu sonho 
palavras soterradas na prisão da minha vida 
isto tôdas as noites do mundo numa só noite comprida 
num quarto só. 

2 comentários:

  1. Cada dia temos mais funcionários cansados...

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  2. Eu acho este poema tão triste que esqueço nossa condição de funcionários. Sou chefe apenas das minhas tristezas...

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